Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, o jornalismo livre, plural, independente e sustentável é fundamental para a plena garantia do direito à informação dos cidadãos e, assim, se constitui como elemento central para a democracia. 

A organização lembra que, nas sociedades contemporâneas, os direitos à liberdade de expressão e à informação não se configuram como garantias individuais, mas coletivas, provocando os Estados a garantirem um ambiente livre para o exercício do jornalismo livre, mas também plural.

Uma das medidas adotadas pelos países para maximizar essas ações e cumprir convenções e declarações internacionais tem sido a promoção de emissoras de radiodifusão de serviço público, como deveria ser o caso do Brasil, por meio da EBC, criada em 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O jornalismo público na empresa, no entanto, pede socorro. 

A mudança de governo não significou uma correção de rumos que garantisse uma pauta jornalística independente, comprometida, de fato, com o público.

Ao contrário de uma percepção de que a atividade não pode prescindir da participação do público, justamente como forma de superar desafios como a delimitação da objetividade e da ética, a EBC vem tratando o jornalismo público com desprestígio e negligência.

Pesquisa apresentada na Intercom, semana passada, revelou como a empresa “esconde” podcasts jornalísticos da mais alta qualidade. Nas rádios, o espaço para o jornalismo vem sendo limitado, contrariando também a tese de que rádio pública não é somente para veicular músicas, da professora Valci Zuculoto, uma das personalidades homenageadas neste ano, com o  26º Prêmio Luiz Beltrão.

Outro exemplo do descompromisso com o jornalismo foi a negligência na cobertura da maior catástrofe ambiental da história do Brasil, no Rio Grande do Sul, no final de abril. Foi necessário uma cobrança dos sindicatos da categoria para que a empresa entrasse na cobertura, o que fez aquém de sua missão constitucional e legal.

Antes, a cobertura do golpe  de 1964, que detalhou a participação de jornais na repressão, com base na pesquisa da professora Ana Paula Goulart, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi toda censurada.

E em um exemplo mais recente, que demonstra a necessidade de um jornalismo público decolonial, a Diretoria ignorou a Conferência da Diáspora Africana, em Salvador. 

O desprestígio pela atividade se demonstra desde maio de 2023, quando, na reestruturação da empresa foram retirados cargos de gestão dos veículos públicos para redistribuição em outras áreas, em especial para a recém-refeita superintendência que atende a comunicação governamental, prejudicando setores e afetando rotinas de produção. 

Em agosto, assistimos ao governo e a EBC desprezarem os acordos para criação de um novo sistema de participação social que pudesse substituir o antigo Conselho Curador cassado.  A Portaria-Presidente nº 461 da EBC criou um novo órgão, mas esvaziou suas atribuições. No início do mês, a empresa já tinha ignorado as recomendações para nomear um Ouvidor/Ouvidora cujo currículo se destacasse nas áreas da comunicação, cultura, jornalismo, além de vínculo incontestável com a deontologia jornalística. 

Agora, a empresa decidiu atacar o jornalismo punindo os seus profissionais por meio do rebaixamento de salários. Ao atualizar o Plano de Cargos e Remunerações enviado pela direção da EBC ao governo, a empresa fez uma proposta de valor-hora, que torna os salários dos jornalistas o menor entre os outros profissionais de nível superior.

A medida é um ataque à jornada legal do jornalista prevista desde 1943 na CLT e que concede a esses profissionais uma jornada de trabalho reduzida, devido ao caráter peculiar da profissão, como o trabalho sob pressão, tomadas de decisões rápidas, rotinas adversas e plantões em finais de semanas e feriados. 

Regimes especiais não são exclusividade da categoria. Professores têm direito a aposentadoria especial, médicos podem ter mais de um vínculo empregatício e jornalistas têm uma jornada de trabalho de 5 horas. Uma jornada inteira. Que deve ser paga por inteiro. Não deveria ser estendida para ser remunerada adequadamente.

A ABI e a FENAJ já denunciaram a tentativa da EBC de atacar a categoria. Afirmam as entidades que a tentativa de burlar a legislação abre um “precedente perigoso”. Afinal, se nem uma empresa pública, que tem no jornalismo uma área fim e deve ser referência, o que dirá o mercado privado, já precarizado e mal pago. 

Diante deste cenário, convocamos a sociedade civil para fortalecer a mobilização por um projeto democrático para a EBC. Precisamos garantir a autonomia da empresa do ponto de vista institucional, exigindo que essa seja uma premissa respeitada.

Defendemos que os jornalistas da EBC sejam tratados com isonomia no Plano de Cargos e Remunerações, com o devido respeito à jornada legal. 

Que a EBC cumpra o acordo com a sociedade civil que deu origem ao Sistema Nacional de Participação Social e restabeleça as atribuições do órgão.

E que o jornalismo público tenha lugar de destaque, de acordo com os preceitos para a radiodifusão de serviço público, previstos na Constituição Federal e na Lei da EBC. 

O  jornalismo público é o pilar da mídia pública. Sem ele, jamais será possível garantir o direito à comunicação para aqueles que são silenciados ou por vezes desinformados pela força dos interesses que sustentam a mídia privada.

Jornalistas das EBC, Assembleia de 03/09/2024

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