Boni desmerece a TV Brasil no Sem Censura e apresentadora não contesta

Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública

Foi triste testemunhar, no último 3 de setembro, na entrevista com Boni da TV Globo e Caio Blat no Sem Censura, a incapacidade das vozes colocadas no vídeo diariamente pela EBC em contra-argumentar posições com conhecimento do setor que hoje representam: a comunicação pública. Teria sido uma oportunidade de ouro para mostrar ao público da TV Brasil a diferenciação e complementaridade entre esses dois pilares do Sistema de Comunicação brasileiro previstos em nossa Constituição, além do braço estatal.

A comunicação pública, que proporciona à sociedade brasileira oportunidades para a criação, experimentação, serviços e escolhas sem o enquadramento do mercado e suas métricas, não é a praia do Boni. Ele entende muito de comunicação do setor privado, com larga tradição e inquestionável sucesso, símbolos de poder e concentração no país e, por isso, com todo espaço para propagar sua narrativa. Caio Blat, embora mais sensível à comunicação pública, defendendo seus programas infantis, não foi a estrela da entrevista – dada a reverência dos apresentadores ao outro entrevistado. A outra convidada, então, a psicóloga Eda Fagundes, foi praticamente uma figurante no episódio com a breve conversa de autoajuda sobre amizade.

Bons debates entre visões diferentes devem ser feitos. Mas… quem pode e tem o maior dever de explicar e defender a comunicação pública, senão a própria EBC? Promover o pensamento crítico e a diversidade de ideias, inclusive, estão previstos na lei de criação da EBC. Infelizmente, instrumentos e programas criados para essa tarefa foram extintos e sua proposta aparentemente abandonada. Exemplos eram o programa Ver TV, de Laurindo Lalo Leal, ouvidor que analisava e discutia a TV pelas mais diversas perspectivas. Outro bom exemplo era o Observatório da Imprensa, conduzido pelo saudoso Alberto Dines, falecido em 2018. Havia ainda os programas da Ouvidoria, de Joseti Marques, que foram sendo desmontados aos poucos. O que existe hoje, Momento da Ouvidoria, apenas nas rádios, não cumpre o papel da análise crítica de outrora.

Essas contribuições da Ouvidoria da EBC desapareceram também na ocupação do cargo, entregue por Jair Bolsonaro a um militar distante tanto da área de comunicação como de ouvidoria, e que só agora deixa a função, tão cara à comunicação pública. A nomeação da nova ouvidora, Luiza Sigmaringa Seixas, cujo nome pertence ao quadro da atual gestão, onde era gerente da Comunicação Institucional e, portanto, com vínculos que dificultam sua independência para exercer a análise crítica prevista em lei.

Lembrando também que um grande instrumento para análise, debate e orientação da comunicação pública desapareceu com a lei do desmonte da EBC, em 2016, com a extinção do Conselho Curador, que tinha ampla maioria representando a sociedade civil e suas deliberações protegidas por mandato.

Hoje, a EBC pode se esforçar em mostrar boas práticas – questionáveis quando se trata das relações com os trabalhadores e mesmo a transparência devida à sociedade – mas a visão que impera na gestão é a de contratação de profissionais formados pela cartilha do mercado, “ex-globais” e “influencers”, capazes de considerar “geniais” as considerações do poderoso ex-dirigente da Globo, incluindo afirmações diretas depreciativas do papel e da importância da comunicação pública. Enquanto desmerece os trabalhadores e as trabalhadoras concursados, que formam um quadro altamente capacitado e experiente, tanto no fazer diário da comunicação pública quando nos estudos acadêmicos sobre a área.

Secom e EBC recentemente se reuniram com esta Frente, trabalhadores e membros cassados do Conselho Curador em um Grupo de Trabalho para discutir a retomada de espaços de participação social na gestão. Sem uma lei que proteja essa participação, toda alternativa pensada é rebaixada. A proposta resultante do GT – um Sistema de Participação na Comunicação Pública interno à EBC – pode significar, porém, um caminho para o debate e interlocução com a empresa até que sociedade, governo e Congresso devolvam o caráter público que a EBC perdeu. O mínimo que se quer dessa instância é que tenha regras observadas pelas partes, incluídas avaliação e prazo de retorno da empresa às demandas da sociedade ali representadas. Qualquer coisa menos do que isso apenas repete o simulacro de participação instituído pelo governo Temer com o Comitê Editorial e de Programação e nunca implementado. Esta Frente exige que essas atribuições sejam inseridas na portaria do Sistema, conforme aprovado pelo Grupo de Trabalho e desrespeitado pela gestão da EBC sem qualquer diálogo ou mesmo consulta aos integrantes do GT.

Hoje universidades, trabalhadores e organizações da sociedade civil ampliam seu conhecimento em comunicação pública a partir da experiência da EBC e comparação com serviços públicos de mídia de outros países. Esse papel impõe responsabilidades da empresa em relação ao futuro da comunicação no país. Da direção aos trabalhadores, em especial aos que ocupam seus microfones, inclusive os contratados. Sem essa compreensão, é melhor evitar situações constrangedoras nas quais discursos do sistema privado ficam sem réplicas qualificadas do sistema público. Cabe, inclusive, responsabilização do diretor do programa e da diretora de Conteúdo, que postou vídeo em que concorda com o “papa” da televisão, em desfavor do próprio veículo que comanda.

Não adianta mudar a direção, a logomarca, ou os apresentadores, se os veículos da EBC não forem ao ar com a cara do povo brasileiro. A reconstrução da comunicação pública passa pelo diálogo e pela participação social. Não por guetos que avançaram sobre esse bem público. A Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública quer debater os rumos da comunicação pública e está à disposição para o diálogo, inclusive nas emissoras quando houver espaço, e defender de fato a sua existência.

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