Profissionais da Radioagência Nacional, da Agência Brasil e da Rádio Nacional apresentaram nesta terça-feira (1º), no 2º UnBCast – Encontro Internacional de Podcasting, o trabalho que têm feito com os podcast jornalísticos da agência de notícias em áudio da EBC. Um trabalho acadêmico sobre os podcasts da Radioagência também foi apresentado no 1º Congresso Internacional de Emissoras Públicas, que ocorreu em maio na Universidade de São Paulo.

Apesar da demora para entrar na produção do formato de grandes reportagens seriadas em áudio, a Radioagência tem demonstrado competência, criatividade e relevância no rádio expandido, abordando temas diferenciados em formatos inovadores, motivo do convite para participar do evento acadêmico na UnB. Já tratamos de alguns aqui, como o primeiro deles, Histórias Raras, e o monumental Perdas e Danos: futuro interrompido, sobre os 60 anos do golpe de 1964

A exposição começou com a apresentação de Beatriz Arcoverde, que coordenava a Radioagência quando se iniciou a produção de podcasts, em fevereiro de 2023, e que se mantém na coordenação desse formato de produto. Ela lembrou que a EBC já havia negado propostas anteriores para fazer podcasts, mas que, na chefia, abraçou a causa e incentivou o formato. Porém, Beatriz destacou que, apesar da qualidade, o trabalho com os podcasts tem enfrentado muitas dificuldades internas.

“Nesse primeiro [Histórias Raras], a gente conseguiu fazer como queria, com página especial, fotos, degravação completa e vídeo com Libras publicados ao mesmo tempo. Agora, não conseguimos acompanhar a preparação da Libras para publicar junto, então está na fila de produção. No primeiro também a gente tinha a gerência e dois coordenadores, foi importantíssimo pra fazer a entrega com qualidade. Mas quando veio a separação do GOV e os cargos foram reduzidos, continuamos produzindo mesmo com as dificuldade”.

Beatriz detalhou que, depois de publicados na Radioagência e no Spotify, os podcasts também são colocados no ar nas rádios em programas ou horários fixos, como a MEC AM, o Nacional Jovem da Nacional da Amazônia e a Rádio Nacional AM aos sábado de manhã. Além dos 12 podcasts temáticos produzidos desde março de 2023, também há dois produtos semanais, publicados no formato de colunas de serviço: Vide Bula e Ajudante Digital.

Mariana Tokarnia, da Agência Brasil, apresentou o Dizem as Fontes, que nasceu de seu projeto de mestrado na UFRJ, sobre educação midiática. “Educação midiática é ter uma leitura crítica sobre os meios de comunicação, saber consumir essas mensagens e também conseguir produzir conteúdos para elas. Eu foquei em como o jornalismo pode ajudar na educação midiática. Foram 15 entrevistas, com perfil bem diversificado, com panorama de jornalistas, estudantes e sociedade civil”. O trabalho do mestrado foi publicado no formato web doc e pode ser conferido em: dizemasfontes.shorthandstories.com.

Akemi Nitahara apresentou o podcast jornalístico infantil Crianças Sabidas e destacou a importância do serviço público de mídia para suprir conteúdos para a infância e também a pouca oferta de jornalismo voltado para as crianças, em especial em áudio.

“O Crianças Sabidas surgiu como uma encomenda da Beatriz e da gerente na época, a Juliana Cézar Nunes, que me pediram para fazer um podcast para crianças sobre os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em dezembro de 2023, já que sou autora de livros infantis. Acabou virando um selo e tratamos de outros temas depois, principalmente relacionados a efemérides ou outros eventos, como os 60 anos do golpe de 1964, eleições e o G20. Foram três episódios avulsos e depois passamos a aprofundar os assuntos com séries de dois a cinco episódios”.

Ela destacou que, apesar da qualidade dos trabalhos de podcast da Radioagência, que desfrutam da marca consolidada da Rádio Nacional, do jornalismo de referência da EBC, da possibilidade de inovação e criatividade sem amarras comerciais proporcionada pelo serviço público de mídia e da experiência da equipe, a produção esbarra em dificuldades internas como equipes muito reduzidas, falta de planejamento integrado da empresa e desvalorização por parte da Diretoria de Jornalismo.

Fran de Paula falou sobre o Ciências: mulheres negras dão o dom, que produziu em parceria com Beatriz Arcoverde. Para ela, o trabalho com podcast permite mais liberdade criativa, com experimentação de formatos sem amarras, além de poder se colocar na narrativa, enquanto mulher negra.

“É um formato simples, mas nós percebemos que, com mulheres negras, tem muito a coisa do pioneirismo, a primeira da família a ir pra faculdade, a primeira a ser doutora naquela área. Então trouxemos também as pioneiras naquelas áreas. Em cada episódio a gente via uma oportunidade, um formato, um caminho. O podcast possibilita a gente entregar um material que vai além do rigor jornalístico, a gente entrega histórias de vida. E perguntamos pra todas, por exemplo, qual a diferença de uma mulher negra fazer uma pesquisa dentro da física? E foram respostas incríveis, porque elas partem de outro lugar e fazem outras perguntas”.

A única que apresentou um trabalho fora da Radioagência foi Isabela Azevedo, responsável pelo programa de rádio Na Trilha da História, veiculado na rede da Nacional e da MEC. O programa é semanal e foi criado há 9 anos, conduzido por entrevista e com foco em história e música. Isabela relata que as tratativas dentro da EBC sobre o programa começaram no governo Dilma Rousseff, mas ele foi ao ar apenas no governo Michel Temer.

“Sou ‘EUquipe’ e a empresa não faz a publicidade devida do programa, é uma pena. O nosso diálogo é com um público muito amplo, da internet à Rádio MEC, mas identifiquei que temos um público fiel de 60+. A solução pra essa diversidade é o uso de uma linguagem mais leve. Me baseio muito nos autores, leio esses livros de cabo a rabo, isso impacta completamente no programa. São 9 anos estudando história, a pesquisa é boa parte da mágica que acontece ali”.

Ela disse também que tem um contato direto com seu público. “Uma coisa gostosa do rádio é essa proximidade com os ouvintes, eu recebo feedback. O programa ficou cada vez mais colaborativo, eu tenho uma rede de mais ou menos 300 ouvintes cadastrados, aviso quem eu vou entrevistar e eles mandam perguntas por áudio, as fontes gostam disso também”.

Repórter da Agência Brasil, Rafael Cardoso apresentou o trabalho Trilhas Amazônicas, podcast feito a partir da série de reportagens de mesmo nome feita no formato de texto. Ele explicou que foi a convite cobrir o TEDx Amazônia 2024, junto com a repórter fotográfica Tânia Rêgo, e tanto no evento como em passeios menos pretensiosos pela cidade de Manaus, se surpreendeu com a riqueza das histórias e dos desafios que a região enfrenta.

“Vimos lá histórias tão bacanas, muitas pessoas, muitas histórias relevantes, pessoas muito dedicadas à causa. Então voltei com a ideia de fazer algo maior. Separei em sete temas conduzidos pelos entrevistados, todos muito engajados. Sugeri sair em janeiro pra ter o gancho com a COP 30, para colocar as vozes da Amazônia em evidência. Foram quase 30 entrevistados, de todos os estados da Amazônia Legal, o projeto começou a ficar meio megalomaníaco, mas teve muita repercussão e a Akemi sugeriu fazer a adaptação para podcast. Ela fez os roteiros e editou as entrevistas”.

Eliane Gonçalves e Sumaia Villela mostraram a saga do Perdas e Danos, precisando organizar um mosaico com histórias, pessoas, organizações sociais e disputas. Além da dramatização para levar o ouvinte ao ambiente, foi feita uma checagem cuidadosa de dados. Tudo em um mês. para montar as 44 vozes, os áudios históricos e os 12 tipos de documentos históricos acessados em 16 arquivos públicos e privados.

“A primeira temporada, marcada pelo desejo, surge a oportunidade de fazer esse podcast nos 60 anos do golpe, depois de uma censura muito forte que a gente sofreu dentro da EBC, desde o golpe de 2016, com a cassação do Conselho Curador. Então pensamos em trazer de volta esse país que estava sendo construído naquela época. A provocação nasce da efeméride, mas o tema ainda está muito presente no país. Então, o que antecede o golpe de 1964, que projeto era aquele que foi interrompido. O projeto nasceu da vida vivida, eu já fiz muitas matérias sobre o golpe, mas nunca tinha pensado no que veio antes, até passar pelo golpe de 2016”, destacou a Eliane.

Sumaia acrescentou que o fio condutor da série foram as reformas de base João Goulart estava propondo para mudar a estrutura do país. “A gente quis falar para um público que nasceu depois da redemocratização do país, como eu, que sou de 88. Essas pessoas não viveram nada da ditadura militar, já pegaram o país se modificando. Então, a gente achou importante colocar coisas até mais básicas para contextualizar, para quem não viveu aquilo e para debater como existem forças que recorrem a formas não democráticas para continuar seu projeto de país. O podcast nos permite colocar esse jornalismo de subjetividade e a nossa é a defesa dos ideais democráticos e a construção de Estado da Constituição”.

O último trabalho foi apresentado por Tâmara Freire, atualmente repórter da Agência Brasil, mas na época que produziu o podcast Sala de Vacina era do radiojornalismo no Rio de Janeiro. Foi o segundo podcast publicado pela Radioagência Nacional, depois do Histórias Raras, ainda em 2023, e marca os 50 anos do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

“Na pandemia de Covid-19 a gente passou toda essa questão com a vacinação, 2021 e 2022 tiveram os piores indicadores de vacinação. A gente vê que recuperar os índices de vacinação passou a ser prioridade do governo, e com as mudanças na EBC, houve um esforço enorme de recuperar a autonomia da empresa, com a perspectiva de aproveitar o novo momento e as chefias. O objetivo era produzir informação confiável com todo esse contexto. Então começamos do básico, como uma vacina funciona, como foi inventada. Tem muita desinformação que deixa as pessoas vulneráveis aos discursos falaciosos, mas o Brasil tem uma expertise invejável, são mais de 30 imunizantes no PNI”. 

Ao final das apresentações, o professor Elton Bruno Pinheiro, da UnB, organizador do evento, falou do respeito e admiração que tem pelo trabalho feito na EBC, principalmente por conhecer o contexto da empresa e as condições de trabalho, sendo pesquisador da área de comunicação pública e serviço público de mídia..

“Essas produções sobre as quais vocês relataram de maneira tão criativa, crítica e potente inspiram todos nós, na academia. Como professor, pesquisador, tenho usado esses trabalhos nas aulas como referência e sempre levo meus alunos na sede da EBC. Assim, nós vamos contribuindo no método ‘gotinhas no oceano’, pela valorização do serviço público de mídia no EBC. Precisamos trabalhar pra EBC ser valorizada e se consolidar, vocês trazem nesses podcasts, eu estou estudando todos eles e vou apresentar no ano que vem em fevereiro no Congresso da Sopcom em Portugal”.

Confira a apresentação em https://www.youtube.com/watch?v=DX9fsXeC5Ls.

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário