O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão de Estado, instituído pela Lei nº12.986/2014, no uso das suas atribuições legais, recebe com espanto a informação de que a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), uma empresa de comunicação pública cuja obrigação é produzir conteúdos que respeitem direitos fundamentais dos seres humanos e da sociedade, e contribuir para consciência crítica de seu público em defesa dos valores democráticos, optou pela contratação de José Luiz Datena, âncora de TV conhecido por um histórico de condução de programas policialescos que violam os direitos humanos primam por desprezar esses direitos e valores.
O Brasil tem sangrado com a violência transmitida diariamente pela mídia comercial, em programas cujo roteiro é baseado na exploração e caça a supostos infratores e criminosos, transformando o trabalho policial em espetáculo transmitido em tempo real e comentado em tons insufladores do medo e insegurança frutos de um noticiário focado inteiramente na disseminação do pânico e da criminalidade.
Relatório elaborado pela Comissão Permanente de Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão, de 2016, já alertava sobre as graves violações de direitos humanos produzidas por esses programas e recomendava “Que não seja veiculada a publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho policialesco, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising”. E, “que não sejam concedidos verbas, auxílios, patrocínios ou subvenções de qualquer espécie, ou sob qualquer pretexto, a empresas de comunicação que permitam a veiculação recorrente, em sua programação, de condutas, discursos, práticas ou situações contrárias aos direitos humanos e aos instrumentos legais e supralegais em vigor no país, como ora se observa nos programas “policialescos” de rádio e TV”.
O governo Lula já demonstrava não respeitar o espírito desta recomendação quando o apresentador João Kléber foi contratado para fazer propaganda sobre a soberania nacional nas redes sociais. O programa que apresentava na Rede TV!, Tarde Quente, foi denunciado por reiteradamente violar direitos humanos, em especial com as “pegadinhas” homofóbicas. Por entender que se tratava de uma violação de direitos contra toda uma parcela da população, o Ministério Público Federal determinou que a emissora exibisse, no lugar deste programa, um direito de resposta coletivo. O programa Direitos de Resposta foi ao ar durante seis semanas, no início de 2006.
O jornalista Datena é uma referência desse tipo de jornalismo apelativo, que contribui para associar a violência a estereótipos de cunhos raciais e socioeconômicos, violando diretamente ou indiretamente a dignidade de grandes contingentes brasileiros, sejam pobres, mulheres, LGBTQIAPBN+ negros, negras, habitantes de favelas ou periferias. O programa Brasil Urgente, que ele apresentava na Band São Paulo, cometeu 345 violações de direitos humanos em apenas um mês, de acordo com pesquisa sobre o tema realizada pela ANDI Comunicação e Direitos e publicada em 2015.
Datena chegou a provocar uma punição para a emissora. Em transmissão de 27 de julho de 2010, atribuiu o cometimento de crimes à falta de Deus: “Um sujeito que é ateu não tem limites e é por isso que a gente vê esses crimes aí”. Como resultado de denúncia movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo, a emissora teve que exibir vídeos que ressaltavam que o Estado brasileiro não possui religião oficial.
O caso mostra o quanto o apresentador é um recorrente violador de direitos humanos, visto que são raros os casos em que emissoras de rádio e televisão são responsabilizadas por esse tipo de infração.
Causa ainda mais estranheza o fato de que a EBC deveria ser respeitada pelo governo em sua condição de empresa pública não governamental, que não poderia sofrer ingerência do governo quanto a conteúdos e contratações editoriais. Pelo que está sendo noticiado, a contratação de Datena foi uma decisão do próprio presidente da República, na contramão da necessária autonomia da comunicação pública.
O CNDH manifesta sua apreensão quanto ao futuro da EBC e da Comunicação Pública no Brasil, pede explicações à EBC e aos Comitês de Participação Social do Sistema de Participação Social na EBC e na Comunicação, assim como ao presidente Lula.
O CNDH apela também ao governo e ao Congresso Nacional para a reinstalação de um conselho deliberativo da sociedade civil no espaço de governança da EBC, nos moldes da lei original da criação da empresa, de modo que decisões temerárias como a que estamos testemunhando sejam antes avaliadas por esse colegiado, assegurando que os princípios da comunicação pública sejam respeitados.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Publicação original: https://www.gov.br/participamaisbrasil/cndh-exige-transparencia-respeito-comunicacao-publica-apos-decisao-de-levar-datena-ebc
