Em reunião conjunta nesta quarta-feira (27), os integrantes do Comitê de Participação Social, Diversidade e Inclusão (Cpadi) e do Comitê Editorial e de Programação (Comep), acompanharam duas apresentações importantes sobre a Empresa Brasil de Comunicação e as funções da participação social na mídia pública. Foi a primeira reunião de trabalhos efetivos, após a aprovação dos regimentos internos e da eleição do presidente e da presidenta dos colegiados.

Os convidados foram o diretor geral da EBC, Bráulio Ribeiro, e o professor Elton Bruno Pinheiro, da UnB e Universidade do Minho, em Portugal, com o objetivo de nivelar o conhecimento sobre a empresa e a comunicação pública por parte dos conselheiros. A reunião não foi transmitida, segundo Bráulio, por mostrar “dados sensíveis da empresa”. Mas contou com interpretação em Libras.

 

EBC

Bráulio explicou que a EBC é uma empresa pública federal dependente do tesouro, que tem como objetivo ampliar o debate nacional. E também tem a função legal de prestação de serviços de comunicação ao governo federal, tendo atualmente contratos com a Secom (Canal Gol, Rádio Gov, Agência Gov, A Voz do Brasil e Bom Dia Ministro), Fiocruz (distribuição pelo satélite do Canal Saúde) e MEC (programação e distribuição do Canal Educação).

De acordo com ele, a Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP) chegou a 167 emissoras de TV, com alcance de 58,28% da população brasileira; e 165 emissoras de rádio, com potencial de atingir 27,02% da população. “São emissoras que se associam à EBC, de rádio e TV aberta, com canais próprios ou concedidos pela EBC”. É possível acompanhar pelo site da RNCP e, em breve, serão implementadas novas funcionalidades que permitirão visualizar com mais precisão a cobertura em cada município atendido.

Sobre a retomada do projeto da EBC após os governos Temer e Bolsonaro, Braúlio destacou a separação dos canais públicos dos governamentais, a volta da participação social com a implantação do Comep e do Cpadi e o investimento nos esportes femininos para exibição na TV Brasil. 

“Fizemos um contrato com a CBF para transmissão dos campeonatos oficiais femininos de 2024 a 2026, serão um total de 51 ou 52 jogos por ano na TV Brasil, se tornando a janela do esporte feminino no país. Também vamos transmitir a liga feminina de basquete e jogos da seleção brasileira eventualmente, como a final da Copa América Feminina que transmitimos no começo de agosto”.

O diretor geral destacou também o desempenho nas redes sociais, com mais de 30 perfis administrados. Um estudo da FGV feito com os perfis de instituições públicas mostrou que a TV Brasil fica em primeiro no Instagram e no YouTube e o Canal Gov é líder no Tik Tok e no Facebook, com outros perfis, como da EBC e da Agência Brasil também aparecendo em destaque.

“O ranking dos perfis das emissoras de TV fi feito apenas uma vez, nós ficamos atrás apenas das contas da Globo, que ocupam sempre as sete primeiras posições. Estamos acima de SBT e Record, por exemplo”, informou Bráulio.

Ele disse também que o foco da expansão da rede é para as 296 cidades que têm mais de 100 mil habitantes, pois são as cidades que contam com medições de audiência pelo Ibope. “É importante que a gente tenha o nosso sinal nessas 296 cidades. Não ter prejudica o trabalho de medição da nossa audiência. Então estamos com foco específico para melhorar a cobertura nessas cidades”.

Por outro lado, o diretor geral mostrou a queda orçamentária que ocorreu desde 2016, impossibilitando investimentos para atualização do parque tecnológico e até se refletindo em queda na audiência, devido à falta de verba para novos licenciamentos de conteúdo que levam à exibição de muitas reprises.

Como oportunidades, Bráulio destacou a qualidade dos conteúdos produzidos, que foram reconhecidos com 25 prêmios apenas em 2024; a volta do investimento do governo federal em produção audiovisual, que terá parte revertida para a TV Brasil, com a Lei Paulo Gustavo, investimentos da Ancine e a Seleção TV Brasil; a presença nas redes sociais, que chegou a 320 milhões de visualizações no último mês; o aumento da audiência das rádios Nacional e MEC com a entrada em novas cidades com a banda estendida da FM; a referência em cobertura jornalística do governo federal; e a transmissão oficial de eventos globais como o G20, o BRICS e a COP 30.

Ele citou também a oportunidade da TV 3.0, que conjuga TV aberta com a internet. “É OTA com OTT, broadcast com broadband. Transmissão aberta com os dados da internet. A TV privada vai mudar o modelo de negócio e é uma oportunidade para reposicionar a EBC, precisamos surfar a onda da TV 3.0 da melhor maneira possível”.

 

Mídia pública e participação Social

O professor Elton Bruno trouxe reflexões sobre mídia pública e participação, começando com uma citação do pesquisador uruguaio Juan E. Díaz Bordenave, do livro O que é participação (2010): “Democracia é um estado de participação”.

“A participação é uma prática contínua em que cidadãos se envolvem nos processos, não só votando, mas fiscalizando, participando, exercendo seus direitos e deveres. A democracia existe enquanto existe uma participação ativa”, sintetizou Elton.

Ele pontuou também que a participação requer ao menos dois processos comunicativos: o de informação e o de diálogo. “Dessa forma, onde os cidadãos e cidadãs podem se informar sobre as ações desses dois comitês? E como eles podem dialogar com essas instâncias? A gente pode cair na tentação de ter reuniões que não sejam de participação, mas apenas de consulta. É preciso informar corretamente, ouvir cuidadosamente e consultar ativamente a população”.

De acordo com o professor, comunicação é um processo sempre inacabado e para transformá-la é preciso conhecê-la. “Vai ser uma tarefa de todos nós estudar sempre sobre serviço público, sobre mídia pública. E nos conhecer também entre nós e o que desejamos nós e a população para esse serviço de radiodifusão pública. É preciso ir ao encontro do cidadão e da cidadã também com a perspectiva formativa e com a importância da participação dessas pessoas na EBC. Que as ações dos dois comitês possam ir além das reuniões e possam ir ao encontro da população, para perceber a diferença entre participação simbólica e participação real”.

Nas palavras de Bordenave, na participação simbólica, os membros de um grupo têm influência mímica nas decisões e nas operações, mas são mantidos na ilusão de que exercem o poder. Já na participação real, os membros influenciam em todos os processos da vida institucional.

Se referindo ao Livro Branco – Serviço Público de Mídia, de Portugal, lançado em 2023, e à lei de criação da EBC, 11.652/2008, Elton explicou que o serviço público de mídia não se restringe mais à radiodifusão, incluindo todos os ambientes digitais e se tornado um dos pontos centrais do espaço público. Ele citou os princípios da autonomia e da participação como estruturantes.

“É urgente o modelo em que a administração seja dominada pela participação e controle social, as emissoras públicas precisam atuar para além de ser apenas permeáveis à participação. A participação deve ser o corpo que sustenta a emissora, sem se fechar ao diálogo institucional de complementar a comunicação de governo”.

Elton também sugeriu uma perspectiva para diferenciar a mídia pública da mídia estatal/governamental, baseado no método “quem diz o quê, em que canal, a quem e com que efeito”. Conforme quadro abaixo:

O professor apresentou também dados de uma pesquisa que levantou a percepção cidadã sobre os meios públicos, feita pelo Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina. Os resultados mostram que o maior desafio da radiodifusão pública é mudar a percepção ou imagem que se cristalizou no público em relação às emissoras de rádio e TV; há desconfiança do cidadão sobre tudo que é público, associado às estruturas de governo; percepção de inoperância da administração pública em oferecer serviços básicos satisfatórios.

Por fim, Elton trouxe princípios gerais que devem guiar o Serviço Público de Mídia, que deve ter foco no cidadão e na cidadã, promovendo a cidadania social, cultural, política e cívica. Além de buscar a microparticipação, buscando se aproximar de instituições como associações de bairros, escolas, sindicatos e outras organizações da sociedade civil.

Debates

Lincoln Macário, suplente da ABCPública no Cpadi, colocou que os comitês deveriam refletir sobre a possibilidade de tirar da EBC a prestação de serviço ao governo federal. “No governo de transição enviamos uma sugestão para retomar o gov.br em uma outra estrutura, como a Imprensa Nacional. É uma pauta a ser debatida pelo conselho, para trabalhar o redesenho da própria EBC. Eu acho que a EBC deve ser o grande hub da comunicação pública como um todo, mas acima de tudo um hub tecnológico para que a gente tenha soberania digital para trabalhar isso”.

Akemi Nitahara, representante dos trabalhadores e trabalhadoras da EBC no Comep, direcionou algumas perguntas ao diretor geral, como qual o valor dos contratos para a prestação de serviço ao governo federal e se eles cobrem os gastos com a operação desses canais. Ao que Braúlio garantiu que “eles são vantajosos economicamente”, mas não divulgou os valores, além de serem uma obrigação prevista em lei.

Akemi também perguntou sobre a quantidade de emissoras da rede já em operação, visto que os números apresentados refletem os acordos e contratos firmados pela EBC com as instituições, mas que até as emissoras começarem a funcionar demanda muito investimento, que as universidades públicas, por exemplo, não dispõem. Bráulio informou que a empresa fará o levantamento para apresentar na próxima reunião.

Rita Freire, suplente do Imel no Cpadi, questionou sobre os conteúdos trocados com a RNCP e qual a previsão de orçamento para a EBC implantar a TV 3.0. De acordo com Bráulio, a empresa e o governo estão buscando flexibilizar uma linha de financiamento do BNDES oferecida para as TVs privadas fazerem a transição para a TV 3.0, mas não disponível para as públicas.

“Para a EBC já vai ser difícil fazer essa transição, imagina para as emissoras da rede, vai ser difícil se não tiver um banco que financie isso. A notícia positiva é que os atuais equipamentos que foram adquiridos para fazer os testes iniciais da TV 3.0, com recursos do leilão do 4G, que também foram utilizados para comprar os set-op-box da TV Digital, no final do ano que vem esses equipamentos serão doados para a TV Câmara e para a EBC.  São três equipamentos e dois vão vir para a EBC, então a empresa vai contar com eles no começo de 2027”.

Rita também lembrou da importância da participação social, apresentada pelo professor Elton. “A mídia pública não pode ser apenas permeável à participação, já tivemos no passado um conselho com governança, agora é um esforço da sociedade, mas a gente não pode esquecer que daqui a pouco vai ter eleição e eu espero que a gente continue tendo gestões democráticas e preocupadas, mas qualquer mudança de orientação com relação à EBC pode mudar esse sistema. Então o papel da EBC e desse comitê é que no futuro seja colocado como lei, que no futuro tenha participação social como elemento orientador da comunicação pública”.

Érico da Silveira, representante da Astral no Comep, sugeriu que os comitês debatam os conceitos e princípios apresentados pelo professor Elton, para decidir os trabalhos que serão feitos. “Serviço público de comunicação, comunicação de serviço público, serviço de comunicação pública. Precisamos superar cada significado desses joguinhos de palavra. Não vejo outra saída que não o mapeamento das coisas que a EBC faz mundo afora, pra gente se posicionar e escolher os princípios, para virar o guardião desses princípios. Como a gente vê autonomia e participação, como se manifesta nos serviços públicos mundo afora e no Brasil”.

O professor Elton explicou que a ideia de serviço público de mídia tem sido mais usado no contexto ibero americano, como na RTP. “Esses pesquisadores que elaboraram o Livro Branco fazem uma reflexão sobre como hoje a gente não deve restringir o debate ao contexto do rádio e da televisão. A ideia de serviço público de comunicação, uma outra pesquisa mostrou que quando se pergunta ao cidadão sobre meios de comunicação, no Brasil profundo as pessoas ficam se perguntando o que é comunicação. Então há dificuldade de associar comunicação com rádio e TV. E quando se fala em ‘mídia’, as pessoas fazem uma relação mais direta com os veículos”.

Welder Alves Pedroso, da TV Encontro das Águas, perguntou se a TV Brasil não teria a possibilidade de licenciar conteúdos para venda, como fazem emissoras públicas como a BBC e a TV Cultura de São Paulo. Também sugeriu participação na escolha dos dirigentes, de forma a aumentar a autonomia da empresa, e questionou a distribuição de pessoal nas áreas da empresa.

“Se a escolha da diretoria pode passar por alguma forma de participação, já que atualmente são todas indicações políticas, o que gera descontinuidade dos projetos. E eu gostaria de saber como está a distribuição de pessoal na EBC, porque quando estive aí vi o elefante da parte administrativa, enquanto tinha dificuldade pra montar equipe para o Canal Educação. Vi pouca gente na execução da atividade fim da empresa, daí vê por exemplo o Sem Censura terceirizado”.

O presidente do Comep, Pedro Rafael Vilela, perguntou sobre a portaria do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos que implanta o Inova, como estratégia do governo federal de transicionar as empresas dependentes para não dependentes, “até que ponto a EBC poderia sobreviver, já que a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) não teria condições de suprir as necessidades da empresa.

Bráulio informou que a EBC não atingiu a pontuação mínima para entrar no Inova e se tornar uma estatal não dependente, que significa conseguir suprir com ao menos 70% do orçamento total.

 

Recomendações

Juliana Doretto, representante da Socicom no Comep, pediu que os veículos da EBC, ao tratar do Projeto de Lei da adultização de crianças, não utilizem o termo “menor” para se referir a crianças e adolescentes, por ser pejorativo.

“Existe uma campanha antiga para não chamar crianças e adolescentes como ‘menores’, porque é relacionado ao antigo código de menores e é pejorativo. A Andi recomenda usar crianças e adolescentes, a gente tem acompanhado a programação e visto o uso do termo ‘menor’ ou ‘menor de idade’, que é um pouco menos pior. A cobertura com relação a esse assunto está sendo enorme, mas a gente recomenda que a redação não utilize o termo menor. Menores de idade apenas em algumas situações ocasionais”.

Rita Freire propôs atenção à cobertura da guerra de Israel contra o povo palestino. “Quero propor uma recomendação de que quando se falar do genocídio em Gaza, há uma recomendação sionista de dizer que começou com o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023. Já estamos em quase dois anos de genocídio e sempre se coloca isso, mas que se trate da história como ela é, que o conflito começou em 1948. O tema toca muito quem acompanha de perto e agora temos dois brasileiros indo na Flotilha da Liberdade, a EBC pode recomendar que se explique que o genocídio não começou naquele ataque em 2023”.

A próxima reunião dos colegiados também será conjunta, prevista para o dia 24 de setembro, com apresentação das diretoras de Jornalismo, Cidinha Matos, e Conteúdo e Programação, Antonia Pellegrino.

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