O jornal norte-americano The New York Times publicou nesta quarta-feira (16) um editorial em defesa da mídia pública do país, que vem sofrendo ataques por parte do governo com profundos cortes de recursos. Publicamos aqui uma tradução do texto.

 

É por isso que a América precisa da mídia pública

Por Conselho Editorial do The New York Times

Quando o setor privado não fornece um serviço importante, o governo frequentemente intervém. É por isso que os fundadores criaram o Serviço Postal dos EUA; eles acreditavam que ninguém mais entregaria a correspondência para todo o país. Muitos lugares nos Estados Unidos, especialmente em comunidades rurais, não teriam uma biblioteca sem financiamento público. Departamentos de polícia, forças armadas, assistência médica, previdência social e educação pública são outros exemplos.

O mesmo acontece com a mídia pública, incluindo a PBS (Public Broadcasting Service, rede pública de televisão), a NPR (National Public Radio) e suas afiliadas locais. À medida que jornais e emissoras de televisão em todo o país fecham, as emissoras de rádio e TV públicas podem estar entre as poucas fontes de notícias locais em áreas rurais. Durante tempestades e inundações, o rádio pode ser a única fonte de informação quando há falta de energia. Após as inundações no Kentucky este ano, uma ouvinte na cidade de Hazard, que estava sem energia elétrica e sem rede de celular, escreveu para sua estação de rádio pública local para agradecê-la por ser sua tábua de salvação. Na melhor das hipóteses, a mídia pública é um serviço público clássico — algo que proporciona grandes benefícios e que o setor privado frequentemente deixa de fornecer.

Infelizmente, o governo Trump e muitos republicanos do Congresso estão considerando um plano para acabar com a mídia pública. A Casa Branca solicitou cortes no financiamento alocado pelo Congresso, por meio de um processo orçamentário conhecido como rescisão. A Corporação para a Radiodifusão Pública (CPB – Corporation for Public Broadcasting), que financia a mídia pública, perderia os US$ 1,1 bilhão que o Congresso destinou por dois anos. O Senado planeja votar a proposta esta semana.

Se o projeto de lei de rescisão se tornar lei, centenas de cidades e vilas, especialmente aquelas fora das principais áreas metropolitanas, serão afetadas. Quase uma em cada cinco estações associadas à NPR pode fechar sem financiamento federal, segundo uma análise. Ouvintes nas regiões Centro-Oeste, Sul e Oeste seriam os mais afetados, ficando menos informados sobre suas comunidades. Uma estação da NPR em Petersburg, Alasca, que foi tema de um episódio recente do podcast “The Daily” do Times, é um exemplo: ela e uma estação administrada por uma igreja luterana local são as únicas estações de rádio que os moradores recebem de forma confiável. Ela recebe 30% de seu financiamento do governo federal e teria que demitir a maior parte de seus funcionários, se não fechar, sem o dinheiro.

O corte também aceleraria o declínio do outrora robusto ecossistema de mídia dos Estados Unidos. O número de jornalistas locais caiu 75% desde 2002, e um terço dos condados americanos não tem um único jornalista local em tempo integral, segundo um estudo da semana passada. Os Estados Unidos gastam menos por pessoa com mídia pública do que outros países ricos, mas mesmo esse financiamento limitado ajudou a tornar a rádio pública uma parte resiliente do noticiário local. Abandoná-la seria acelerar uma tendência perigosa que prejudica a saúde cívica.

Os republicanos reclamam, nem sempre erroneamente, que a mídia pública reflete suposições e vieses de esquerda. E podem, com justiça, dizer à NPR e à PBS para fazerem um trabalho melhor para refletir a cidadania que as subsidia. No entanto, a parte “nacional” da NPR (ou Rádio Pública Nacional, como costumava se chamar) que irrita os conservadores, pode muito bem ficar sem as verbas federais. Apenas cerca de 2% de seu orçamento vem diretamente do governo federal e a rede pode ter facilidade para arrecadar dinheiro de seus muitos ouvintes dedicados se o Congresso a punir.

Um corte de financiamento prejudicaria serviços valiosos que têm pouco a ver com ideologia. Transmitir reuniões do governo local, como fazem algumas rádios públicas, não é nem liberal nem conservador. O mesmo se aplica a programas de televisão pública como “Vila Sésamo”, que ajudam a ensinar crianças pequenas a ler e contar. As afiliadas locais cobrem amplamente questões comunitárias e estaduais que não se encaixam perfeitamente nas divisões nacionais entre esquerda e direita, e seriam as que mais sofreriam. Essa é uma das razões pelas quais vários republicanos conservadores, como o senador Mike Rounds, da Dakota do Sul, alertam para o impacto do projeto de lei.

Vamos lembrar dos excessos dos movimentos “desfinancie a polícia” e “abolir o ICE” ( U.S. Immigration and Customs Enforcement – imigração e fiscalização alfandegária dos EUA) do outro lado do espectro ideológico. Eles adotaram uma visão fatalista dos serviços governamentais vitais, sugerindo que suas imperfeições justificavam sua eliminação. Eles estavam errados, assim como os conservadores que querem desfinanciar a mídia pública.

O mesmo se aplica aos planos Republicanos independentes para reduzir a “Voz da América” (Voice of America), o serviço governamental que transmite em outros países. Em alguns lugares, é a única fonte de notícias que não é hostil aos Estados Unidos ou à democracia. Na China e no Irã, os moradores que ouvem a Voz da América recebem notícias e opiniões que não encontrariam em nenhum outro lugar. Algumas emissoras que anteriormente transmitiam a Voz da América já a substituíram por veículos de mídia estatal chinesa, informou o The Wall Street Journal. É revelador que apoiadores do Partido Comunista Chinês estejam comemorando os cortes na Voz da América.

A mídia pública, como qualquer outra instituição importante, é imperfeita. Mas melhora a vida de milhões de americanos e fortalece os interesses americanos. Não deve se tornar mais uma vítima de nossa cultura política polarizada. Os moradores de Hazard e Petersburg, assim como centenas de outros lugares, não devem perder serviços públicos valiosos por causa da indignação partidária.

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