O diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Jean Lima, se reuniu, de forma virtual nesta sexta-feira (20), com integrantes do Grupo de Trabalho que discutiu mecanismos para a retomada da participação social na empresa, extirpada desde 2016 com as mudanças impostas pelo governo Michel Temer.
A reunião ocorreu após a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, representada no GT pelo professor da Universidade de Brasília (UnB) Fernando Oliveira Paulino, solicitar esclarecimentos sobre a portaria 461, publicada no dia 19 de agosto, que institui o Comitê de Participação Social, Diversidade e Inclusão sem as atribuições definidas pelo GT e que constam no relatório final dos trabalhos.
No início da reunião, o representante dos Sindicatos dos Jornalistas, Pedro Rafael Vilela, explicou o mal estar gerado com a exclusão das atribuições e enviou uma sugestão de redação para corrigir a portaria publicada, incluindo a competências que foram retiradas do art. 2º, conforme descrito a seguir:
Redação atual:
Art. 2º O Comitê terá as seguintes competências:
(…)
XV – apresentar sugestões e propostas, aprovadas pela maioria absoluta dos seus membros, para apreciação pela Diretoria Executiva da EBC:
XVII- publicar relatórios regulares sobre suas atividades, com periodicidade definida em regimento interno;
Redação retificada (sugestão de acrescentar um inciso a mais):
Art. 2º O Comitê terá as seguintes competências:
(…)
XV – apresentar sugestões e propostas, aprovadas pela maioria absoluta dos seus membros, para apreciação pela Diretoria Executiva da EBC, que se manifestará sobre eventuais providências tomadas em até duas reuniões ordinárias seguintes;
XVII – emitir parecer que avalie as decisões e providências tomadas pela Diretoria-Executiva da EBC, no que se refere ao cumprimento dos objetivos desta portaria e dos princípios e objetivos da radiodifusão pública expressos na Lei 11.652/2008.
XVIII – publicar relatórios regulares sobre suas atividades, com periodicidade definida em regimento interno;
Foi dada a palavra a Murilo, um dos integrantes do departamento jurídico da EBC, para explicar as modificações feitas. De acordo com ele, a análise jurídica de portaria interna da EBC requer o confronto da norma com todas as leis pertinentes e também com as normas e regimentos internos da própria empresa. Diante disso, o jurídico considerou que as atribuições sugeridas eram as mesmas vetadas pelo presidente Michel Temer em 2017 ao Comitê Editorial e de Programação inseridos por meio da Medida Provisória 744/2016 na lei de criação da EBC. E que, portanto, trazê-las de volta seria uma invasão da competência do presidente da república, que apresentou na época as justificativas para o veto. Também argumentou que havia sobreposição de atribuições com o Conselho de Administração da EBC (Consad).
Jean Lima pediu desculpas pelo que chamou de “dois problemas na metodologia” dos trabalhos do GT e na elaboração da portaria. O primeiro, de não ter consultado o jurídico da EBC no início do processo, e o segundo, de não ter enviado a minuta da portaria para análise do GT. Apesar de tudo isso, Jean afirmou que a portaria traz “um ganho enorme”, com a efetivação do Sistema de Participação Social. “Temos muitas conquistas e as duas mudanças sugeridas, a meu ver, não prejudicam o trabalho do comitê”, afirmou o presidente.
A ex-presidenta do Conselho Curador da EBC Ana Fleck, integrante do GT, reiterou que foi feito um esforço muito grande para chegar ao texto proposto no relatório e que a portaria resultou numa “instância do silêncio, e não do diálogo”. “Tirar essas competências é tirar toda a natureza do diálogo do comitê, tenho medo da direção que ele pode tomar, se tornando como o Comitê de Comunicação do Congresso Nacional, amorfo”.
Jean reafirmou que a competência de manifestação à diretoria já está contemplada, que apenas foi retirado o prazo de duas reuniões ordinárias para respostas, o que seriam 6 meses, “muito dilatado”, para ele. Ao que Ana respondeu que se não há prazo de resposta para os relatórios, eles tendem a simplesmente ficarem na gaveta sem serem apreciados.
A presidente cassada do Conselho Curador, Rita Freire, relatora do GT, defendeu que o Comitê Editorial é uma instância diferente do Comitê de Participação, com certa representatividade garantida mas com atribuições que são apenas “perfumaria”. E apelou para uma solução ao impasse. “Nós conseguimos dialogar, se teve algum problema de método com a parte jurídica, precisamos resolver isso e cumprir nossos propósitos conjuntos”.
A representante dos trabalhadores no GT, Akemi Nitahara, destacou que o jurídico da EBC se atenta demais em alguns casos e deixa a desejar em outros, vide o tamanho do passivo trabalhista que a empresa tem, fruto de processos movidos pelos trabalhadores por descumprimento de leis trabalhistas por parte da empresa com a conivência do departamento jurídico. “Por um lado, estão se apegando a uma justificativa de veto e por outro desrespeitam a CLT, como no caso da proposta de PCR que rebaixa a categoria dos jornalistas”.
Pedro pediu a palavra novamente e afirmou que a questão não é jurídica, mas sim política. “Não é aceitável que o presidente da EBC venha pedir desculpas e tentar justificar mudanças numa portaria que teve como base um relatório assinado por um ministro. Nós fizemos um pacto político que precisa ser respeitado”.
O representante da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Marcelo Cafrune, explicou que após o encerramento do GT, os encaminhamentos foram feitos pela EBC sem a participação da Secom. Ele afirmou que a instância “tem que ter utilidade” e é preciso defender o que foi produzido. Porém, não considerou que a portaria da EBC esvaziou o Comitê proposto pelo GT. “Os editais [para composição dos comitês] na rua é uma conquista que a gente tem que comemorar e eu não posso sugerir que a EBC tome uma decisão que considere que contraria a lei”.
Paulino questionou a disposição para rever o texto da portaria e Jean afirmou que, como gestor público, independente de quando foi feita a lei, ela precisa ser respeitada e que ele seguiu a recomendação do jurídico ao publicar a portaria, portanto, está fora de questão retornar com redações que foram retiradas por orientação jurídica. “Ter prazo para resposta não garante o diálogo. Avaliar questões relacionadas à lei de criação da EBC cabe ao Consad. Diálogo nós vamos ter, mas eu preciso seguir as recomendações jurídicas. O diálogo é político e vamos ter duas instâncias de participação popular”.
Pedro relembrou a importância das atribuições acordadas no GT e cobrou uma solução para que elas sejam garantidas no Comitê de Participação. Outra representante do jurídico, Cíntia, reforçou que qualquer atividade fiscalizatória na EBC cabe ao Consad, portanto não poderia ser atribuída ao Comitê a função de avaliar as decisões da diretoria.
Jean afirmou que há outras formas de garantir o compromisso político com as discussões, como registrar em ata a ser apresentada à Diretoria Executiva, bem como a elaboração dos relatórios, já contemplado na portaria.
Rita reiterou a importância de que seja definido que a avaliação sobre as ações serão feitas pela sociedade civil e que conste qual deve ser o retorno da EBC às demandas apresentadas, bem como que seja expresso o compromisso com os princípios e objetivos da radiodifusão pública expressos na Lei 11.652/2008. Paulino pediu que o parecer jurídico fosse enviado aos integrantes do GT. Pedro voltou a afirmar a necessidade de se cumprir o compromisso político feito no grupo de trabalho. “Não é necessariamente um caráter fiscalizatório, mas de cumprir os compromisso e objetivos da lei”, disse.
Jean destacou que no inciso V já consta que as solicitações de informação levam em conta os prazos da Lei de Acesso à Informação (LAI) para resposta pela empresa, ou seja, 20 dias úteis e que só foi vetada a parte de avaliação das ações da diretoria. “Os 18 incisos em vigor de forma alguma inviabilizam o Sistema de Participação Social e já tem outros incisos que falam que a diretoria tem que dialogar com o comitê”, disse ele, pedindo que sejam apresentadas sugestões para apreciação por parte da EBC. “Avaliem o todo, para não jogar fora 97% de uma portaria por causa de discordância em apenas 3% dela”.
Pedro respondeu que não se trata de percentual sem acordo, mas de um princípio fundamental que está sendo descumprido.
Encerrando a reunião, o vice-relator, Octávio Pieranti, assessor da Secom, resumiu que qualquer parecer ou relatório de qualquer conselho podem ser encaminhados para a direção dos órgãos competentes; que os pedidos de informação via LAI sempre tiveram prazo para resposta; e que há o compromisso político de que essas respostas sejam dadas. Ele amenizou os dissensos, afirmando que pode ser colocado nas atas das reuniões os prazos para resposta. “Quanto aos princípios e objetivos da lei, na minha opinião, qualquer atividade fim dentro da EBC precisa cumprir esses princípios e objetivos, mas não vejo problema nenhum que isso fique explícito”, concluiu.
A EBC já havia convocado uma reunião para segunda-feira (23/09) para tratar dos editais de convocação das entidades da sociedade civil interessadas em participar do processo de composição dos dois comitês, o Editorial e de Programação, incluído na lei pelo governo Temer para substituir o extinto Conselho Curador; e o de Participação Social, Diversidade e Inclusão, criado por portaria da EBC como resultado do GT. Ficou combinado que os integrantes do GT irão analisar o parecer jurídico da EBC, encaminhado apenas após a reunião, para sugerir um texto de consenso para a portaria de criação do Comitê.