Santo de casa não faz milagre. Esse parece ser o lema da atual gestão da EBC, que vem investindo forte na terceirização de programas. Exemplo disso é a contratação de produtoras para levar adiante atrações consagradas da TV Brasil, como o Samba na Gamboa e o Sem Censura, feito há mais de três décadas pelo pessoal da casa.

Agora, a despeito da excelente qualidade dos podcasts que têm sido produzidos pela Radioagência Nacional, como já publicamos aqui na Ouvidoria Cidadã da EBC, a empresa está dando todo o destaque possível para uma produção externa, privada, antiga e de uma das maiores produtoras de podcast do Brasil. Não se trata de parceira da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP).

Praia dos Ossos foi o primeiro podcast original da Rádio Novelo. A super produção relembra a história do assassinato da socialite Ângela Diniz, um feminicidio cometido a tiros em 1976 em uma casa na Praia dos Osso, em Búzios, e do julgamento tumultuado do réu Doca Street, pintado como vítima de uma mulher à frente de seu tempo.

Publicado entre setembro e outubro de 2020, em oito episódios de cerca de uma hora cada, Praia dos Ossos está entre os podcasts documentais seriados mais ouvidos e comentados do Brasil. No Youtube, por exemplo, o primeiro episódio tem mais de 180 mil visualizações. Sem legenda nem libras, apenas o áudio com uma imagem estática. No Spotify, tem mais de 7,3 mil avaliações, com cinco estrelas. Segundo notícia da Rádio Inconfidência, Praia dos Ossos teve mais de 4 milhões de visualizações.

A produção, já consagrada, será exibida em rede pelas nove emissoras da Rádio Nacional e da Rádio MEC, incluindo as que têm foco em música, que são a MEC FM e a Nacional FM de Brasília. Foi reservada a faixa das 23h de segunda-feira para a Rádio Novelo. Conforme notícia institucional da EBC, depois de Praia dos Ossos, que estreou nas Rádios EBC no dia 17 de junho, serão exibidas as produções Crime e Castigo, de 2022, e Tempo Quente, do mesmo ano. Antes, as produções já foram veiculadas no espectro eletromagnético da Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, a partir de setembro do ano passado. Esta sim, integrante da RNCP, por meio da qual a produção chegou à EBC.

 

Divulgação

Não questionamos a altíssima qualidade das produções da Rádio Novelo nem a importância de se ter boas atrações nas rádios da EBC. O problema que vemos nessa “parceria”, que não explica quais as contrapartidas de ambas partes envolvidas no acordo, é a super exposição de uma produção externa antiga em detrimento do material feito na casa, muito mais recente e de qualidade comparável. Não encontramos faixa nas rádios da EBC dedicada aos podcasts da Radioagência Nacional, que já soma nove produções originais desde fevereiro de 2023, sobre temas diversos e com formatos inovadores, incluindo um jornalístico para o público infantil.

Também não há espaço para a Radioagência Nacional no aplicativo Rádios EBC. Em busca feita no dia 22/06, encontramos entre os programas o título Rádio Novelo, porém ainda não havia nenhum episódio disponível. As produções próprias de podcasts não aparecem. Na aba dedicada às notícias, apenas recortes retirados da programação das rádios, não entra a produção do radiojornalismo. Poderia ser um espaço aproveitado para divulgar as publicações da própria Radioagência Nacional, que centraliza a postagem do material do radiojornalismo da EBC.

E o destaque para a Rádio Novelo não para por aí. Na divulgação de atrações no portal institucional da EBC, entre muitos programas da TV Brasil, com praticamente todas as entrevistas do DR com Demori e os temas do Caminhos da Reportagem, além de, mais recentemente, atrações do Sem Censura. Também entram com frequência na divulgação os filmes, jogos de futebol, e a grade da semana. Entre as atrações das rádios, aparecem algumas coisas da Rádio Nacional e Rádio MEC, com foco em música e futebol. Os 50 anos do Hip Hop, que foi publicado também em formato de podcast, apareceu apenas quando foi tema do Caminhos da Reportagem.

Nessa lista de notícias do portal institucional, o único podcast da casa que encontramos foi o Golpe de 1964: Perdas e Danos, trabalho primoroso encabeçado pelas jornalistas Eliane Gonçalves e Sumaia Villela.

A fundadora da Rádio Novelo, Branca Vianna, foi entrevistada no Sem Censura para falar da transmissão pelas rádios EBC, com direito a corte para publicação nos perfis do Instagram da TV Brasil, Rádio Nacional, Rádio MEC e EBC. Na entrevista, muito bem conduzida por Cissa Guimarães, aproveitou para anunciar a série que vai ser feita em audiovisual a partir do podcast. Nenhuma menção aos podcasts da casa por parte de ninguém da bancada.

A divulgação de podcast nesses perfis do Instagram é outra novidade. No Instagram Rádio Nacional, entre futebol, programas da casa e muitos posts musicais, encontramos o anúncio da terceira temporada do Histórias Raras. Perfil, inclusive, que publica conteúdo jornalístico apenas esporadicamente, sem muito critério aparente. Entre os post recentes, encontramos um sobre a destituição do assassino de Chico Mendes do Partido Liberal, sobe violência no Haiti, desdobramentos do caso Marielle, prisão dos financiadores do 8 de janeiro, vacinação de dengue e um pronunciamento da ministra da Saúde, Nísia Trindade, sobre o surto de dengue. 

No dia da Visibilidade Trans, 29 de janeiro, a Rádio Nacional fez cards sobre cantoras trans. Mas não falou nada sobre o podcast Transformando as Artes, lançado em maio.

Dessa forma, celebramos a transmissão de conteúdos externos relevantes e de qualidade pelas rádios da EBC. Mas, depois de seis anos lutando para manter a empresa aberta e enfrentando censuras e perseguições sistemáticas, os competentes trabalhadores e trabalhadoras da comunicação pública merecem respeito e destaque ao trabalho de altíssima qualidade que voltaram a fazer.

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