Por ironia do destino, talvez justiça divina ou apenas as instituições democráticas funcionando corretamente, o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou inelegível nesta sexta-feira, 30 de junho, no julgamento de um evento transmitido pela TV Brasil. Ainda cabe recurso da defesa.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral foi por cinco votos contra Bolsonaro e dois favoráveis. Apenas os ministros Raul Araújo e Nunes Marques tentaram livrar o ex-presidente. A condenação a 8 anos de inelegibilidade é por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. No caso, a TV pública.
O julgamento se refere à reunião que Bolsonaro fez no dia 18 de julho com dezenas de embaixadores no Palácio da Alvorada e fez acusações contra o sistema eleitoral brasileiro, sem apresentar provas. A denúncia apresentada pelo PDT faz referência à transmissão, ao vivo, de todo o evento pela TV Brasil, com duração de 47min20s. O vídeo agora aparece como “oculto” no YouTube, pois foi retirado do ar a pedido da justiça no decorrer do processo.
O evento ocorreu dentro do período em que a transmissão de pronunciamentos de autoridades em veículos de comunicação são proibidos pela Lei Eleitoral.
EBC não se posiciona
Os veículos da EBC noticiaram o julgamento e deram na manchete a condenação. Porém, as reportagens apenas mencionam o fato do evento em julgamento ter sido transmitido pela TV Brasil, como no texto da Agência Brasil:
“Além de ser realizado no Alvorada, o evento foi transmitido pela TV Brasil, emissora de comunicação pública da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).”
O mesmo se repete na Radioagência Nacional e na própria TV Brasil. Destacamos uma fala do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, que cita a TV Brasil em seu voto a favor da inelegibilidade de Bolsonaro:
“Toda a produção foi feita para que a TV Brasil divulgasse mas, mais do que isso, para que a máquina existente de desinformação nas redes sociais multiplicasse essas informações, para que se chegasse diretamente ao eleitorado, como chegou”.
Ou seja, no entendimento do ministro, a TV Brasil serviu de palanque eleitoral para a rede de desinformação operada pelo bolsonarismo.
Caberia, portanto, um editorial da EBC ou, no mínimo, uma nota explicativa sobre o caso. Nem que fosse para dizer que a gestão mudou e que o uso indevido dos meios de comunicação para fins eleitorais não voltaria a acontecer nos veículos públicos. Mas nada foi dito pela EBC e permanece a prática da falta de transparência e síndrome de avestruz, apesar do novo governo e da nova gestão da empresa.
Uso e abuso
Como esta Ouvidoria Cidadã da EBC denunciou, o governo Bolsonaro transformou a emissora pública em um aparato de propaganda política e promoção pessoal do presidente. Além do caso julgado, publicamos análise de outros dois crimes eleitorais envolvendo transmissões do governo pela TV pública durante o período eleitoral e desequilíbrio na cobertura.
Na primeira semana de campanha eleitoral na TV, mostramos que a EBC utilizou os telejornais diários para privilegiar as inserções do presidente e então candidato à reeleição na TV Brasil. A cobertura somou 27min41s de aparições de Jair Bolsonaro no Brasil em Dia, Repórter Brasil Tarde e Repórter Brasil Noite apenas de 22 de agosto a 3 de setembro, sem contar as aparições em reportagens sobre agenda dos candidatos à Presidência.
Outra estratégia foi veicular diversas entrevistas com ministros dadas ao radiojornal da comunicação de governo A Voz do Brasil no Repórter Brasil Noite, nas quais as autoridades faziam propaganda aberta dos atos do governo, somando quase 7 horas de exposição durante o período eleitoral no principal telejornal da TV pública.
Crimes eleitorais utilizando a TV Brasil não faltam. Que continuem os processos e que sirvam de lição para que todo e qualquer governo entenda a importância da comunicação pública. E que se faça de fato a separação da comunicação de governo dentro da EBC.