Beijar estranhos traz riscos à saúde! O alerta da reportagem da TV Brasil vem precedido da retranca da época do ano: “Paquera no Carnaval”. Na chamada do Repórter Brasil Noite, em plena sexta-feira de carnaval, dia 9 de fevereiro, o texto foi o seguinte:
“O Carnaval é época de paquera! No meio da folia, tem muito flerte, beijos e abraços. Mas sabia que beijar estranhos pode trazer riscos para a sua saúde?”
As imagens mostram muitas pessoas fantasiadas nos blocos de rua e, claro, muita gente se beijando ardentemente. Entra um dentista que fala das doenças que podem ser transmitidas pelo beijo e afirma: “prevenção é não beijar, infelizmente”.
Depois, volta para a narração do repórter, com mais cenas de carnaval, falando que a paquera pode acabar na cama e que, “aliado à bebida alcóolica”, aumenta-se o risco do sexo “sem o devido cuidado e proteção”.
Uma ginecologista lembra das doenças que podem ser transmitidas no sexo sem proteção.
Finaliza com o repórter explicando que o Ministério da Saúde distribui gratuitamente preservativos femininos e masculinos e que as infecções sexualmente transmissíveis podem ser tratadas no SUS. Fecha com a frase batida, mas útil: “use sempre camisinha”.
Careta, pra se dizer o mínimo, é como podemos caracterizar a reportagem. Com dicas de “serviço” que não passam de obviedades, a matéria acaba fazendo um desserviço aos foliões. Afinal, recomendar que não se beije no carnaval não vai surtir efeito em quem espera essa época do ano para curtir a vida livremente.
Na tradição cristã, o carnaval é o momento festivo que antecede a quaresma, período de privações e reserva que termina na semana santa, simbolizada na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na evolução da festa, tornou-se um momento de alegria e de extravasar as dificuldades do dia a dia, colocando para fora todas as “fantasias” e sendo por alguns dias uma outra pessoa.
Não vimos na reportagem nenhum enfoque diferenciado ou abordagem de contexto condizente com a comunicação pública. Parece uma matéria “de assessoria”, do tipo que os jornalistas recebem sugestões de fontes diversas para comentar todo tipo de assunto. Efemérides são um prato cheio pra esse tipo de pauta.
Os dois entrevistados, identificados como profissionais pertinentes ao tema, falam apenas por si próprios, não representando nenhuma organização mais ampla para dar credibilidade ou divulgando alguma pesquisa que justifique a abordagem feita na matéria.
Em tempos de campanhas intensas de combate ao assédio e à violência contra as mulheres, que ganham força especial no carnaval, não é produtivo simplesmente a recomendação de se evitar o beijo. Que tal falar do beijo forçado, esse sim a ser evitado?
Aliás, não é só no carnaval que o beijo rola solto e que pode trazer riscos à saúde. Qualquer ambiente de paquera, como festas e shows, também trazem o mesmo “risco”. Na cultura ocidental, o beijo é um elemento fundamental da sexualidade e reprimir esse ato não surte efeito prático nenhum.
A reportagem poderia ter trazido, ao menos, estatísticas sobre as tais doenças transmissíveis pelo beijo. Ou explicar, como contraponto, que o beijo estimula as glândulas salivares e que a saliva é ácida e protege contra bactérias.