Explicamos a verdadeira situação em cada fala

 

A diretora de Conteúdo e Programação da EBC, Antonia Pellegrino, deu uma longa entrevista ao site da Fundação Perseu Abramo (link ao final) em que se vangloria de diversos feitos. Alguns falsos, outros exagerados. Confira a checagem e explicações da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública.

Afirmação Fato
A emissora que era interrompida para transmissões governamentais hoje é referência em jornalismo investigativo, cultura popular e conteúdo infantil. Mesmo no governo Bolsonaro e com interrupções na programação, a TV Brasil já era destaque nessas três áreas antes da nova direção. Prova disso é que já havia a janela extensa de programação infantil; sempre teve espaço para a cultura popular, com programas sobre música popular e periférica; e sempre foi destaque no jornalismo investigativo, com inúmeros prêmios de jornalismo que os funcionários ganharam antes e no período atual, independente dos governos.
A TV Brasil é, hoje, o canal aberto que está em quinto lugar da audiência. Durante o Bolsonarismo, em 2022, a TV Brasil chegou ao quarto lugar na audiência, alcançado com as novelas compradas da Record. Em 2018, também conseguiu bons índices com a transmissão do Desfile das Campeãs do Carnaval Carioca, chegando a 16,74% do share. Destacamos que a medição da TV Brasil era subestimada, já que só há alguns anos, o Ibope passou a considerar a audiência das emissoras estaduais filiadas a RNCP como audiência da TV Brasil.
Somos a única TV aberta que transmite conteúdo para a faixa infantil. A TV Cultura continua sendo a principal emissora brasileira com programação infantil, com programas para crianças em duas extensas faixas diárias de horários: https://cultura.uol.com.br/grade/#atual

A TV Brasil, que já teve vários programas infantis históricos em sua grade, como o ABZ do Ziraldo, hoje só passa desenhos animados.  

A TVE-RJ tinha uma longa tradição na faixa infantil, como o Sítio do Picapau Amarelo, em parceria com a Globo, e As Aventuras do Tio Maneco ou as mais recentes como A Turma do Pererê. Também marcaram a história da TV programas de emissoras públicas estaduais, como Catalendas e DangoBalango.

O SBT, apesar de estar avaliando extinguir a programação para crianças, ainda mantém conteúdos como Chaves, Chapolin, A Caverna Encantada (para adolescentes), além de Sábado Animado e Lucas Toon, ambos aos finais de semana: https://tv.sbt.com.br/programacao

A questão da regionalidade é um compromisso da TV pública, mostrar, exibir, televisionar a diversidade brasileira, os múltiplos sotaques, as diversas regiões, a riqueza da nossa paisagem, da nossa cultura, do nosso povo. Então, para garantir que tenhamos essa riqueza na nossa programação, trazemos as cotas regionais, porque, dessa maneira, o edital, a TV pública, mantém a sua vocação de televisionar a nossa regionalidade. O artigo 8º da lei 11.652/2008 determina, em seu inciso IX que compete à EBC “garantir os mínimos de 10% de conteúdo regional e de 5% de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre 6h e 24h”. Esperamos que esse edital da TV Brasil amplie esses conteúdos.

A faixa atualmente destinada às emissoras da Rede Nacional de Comunicação Pública é às 6h nos dias de semana, horário inadequado para alguns programas exibidos. A faixa é bem diversificada, com programas como Agro Amazonas; Discotoca, sobre o cenário da música paraense; Rural produtivo; Univerciência; Cozinha Amazônica; Agricultura Alto Vale; e Olhar independente, sobre a produção audiovisual nordestina. Em outros horários há programas bastante institucionais, como Visite Paraná.

O Prodav, apesar de ter aumentado a veiculação de programas regionais na grade, também ficou em uma faixa de horário menos nobre, às 23h, e muitas vezes os programas tiveram seus horário de exibição alterado sem nenhum aviso prévio ao público ou aos produtores envolvidos, em função da transmissão de futebol.

Não à toa, (a EBC) está citada no processo que levou à inexigibilidade do ex-presidente Bolsonaro, porque foi utilizada como uma ferramenta de comunicação para o surgimento do golpe. A própria EBC não deu destaque ao fato quando noticiou a inelegibilidade. Em todos os veículos, apenas citou que o evento em questão, a reunião com os embaixadores no qual o ex-presidente desacreditou o sistema eleitoral, foi transmitido ao vivo pela TV Brasil. Mas a empresa não se pronunciou sobre mudanças de rumo nem sobre diversos outros crimes eleitorais cometidos por Bolsonaro utilizando a estrutura da EBC em proveito próprio. Parece ter apenas passado uma borracha nesses fatos, sem discutir com a sociedade nem com os próprios empregados sobre as questões editoriais. Até o momento, a participação social, extirpada por Michal Temer, não foi retomada, o que dificulta o controle por parte da sociedade sobre os rumos da empresa.
Então, a primeira coisa que fizemos, e para fazer essa primeira coisa foram quase seis meses, foi separar a comunicação governamental da comunicação pública. No começo da nova gestão, a programação da TV Brasil continuou a ser interrompida para eventos com o presidente, agora Lula, o que ocorreu até junho de 2023. A separação dos canais só saiu depois da cobrança da Frente. E a portaria 216 de 2019, da unificação das emissoras, jamais foi revogada, o que é um perigo para possíveis más intenções futuras. Além disso, repórteres da TV Brasil continuam gravando e fazendo entradas ao vivo para o Canal Gov, o que gera confusão de identidade e credibilidade nas duas emissoras, que deveriam ser independentes uma da outra.
Trabalhamos guiados por três princípios estratégicos: o primeiro deles foi fazer da TV Brasil um canal que exiba o conteúdo de produção audiovisual independente brasileira. (…) Havia R$ 70 milhões sendo desperdiçados, dinheiro público. Nós fomos atrás desses produtores para retomar, para dizer: queridos, vamos exibir essas obras, mandem essas obras! (…) Captamos R $ 18 milhões em conteúdo, foram 73 obras de todo o Brasil. Fora algumas produções do Prodav que entraram na programação na faixa das 23, depois do horário nobre, a grade está repleta de enlatados de grandes produtoras, como Globosat e Arcadia Entertainment Inc, da vida selvagem e paisagens naturais de várias partes do mundo e Brasil Visto de Cima, que são reprisados à exaustão.
Decidimos também investir nas produções próprias, porque acreditei que elas nos trariam relevância. Trilha das Letras, Samba na Gamboa, Xodó de Cozinha, DR com Demori e o nosso carro chefe, o Sem Censura, que é um programa histórico da TV Brasil. O Samba na Gamboa e o Xodó de Cozinha não são produções próprias, são programas feitos por produtoras independentes sem a participação de profissionais da EBC e apenas têm os cortes finais aprovados pela empresa. O Trilha de Letras é anterior à gestão atual, assim como Partituras e Cena Musical, que continuam na grade mas não recebem atenção da diretoria. Para o Sem Censura,foi firmado um contrato milionário com uma produtora multinacional, envolvendo poucas pessoas da EBC no trabalho.
Tudo isso que conseguimos, e aí, só para não deixar de dizer, o terceiro pilar do nosso trabalho de conteúdo foi a busca por resultado, por audiência. Como se faz isso? Trazendo a novela turca, que é um hit no mundo todo, pela primeira vez no Brasil, para ser exibida na TV aberta, ou seja, investindo nas novelas e investindo no futebol, no esporte. Então, fizemos o padrão do que o brasileiro gosta, e esse conjunto de ações é o que faz com que hoje a TV Brasil esteja no quinto lugar da audiência na TV aberta. Isso é uma informação muito importante. A TV Brasil ocupa o quinto lugar da audiência desde 2022 e no passado, com o futebol conseguiu bons índices também. Nas medições atuais, aparece com 0,21 ponto de audiência, empatado em quinto lugar com a RedeTV.

Em outras ocasiões, também exibiu novelas, mas com o diferencial de serem feitas em Angola, dando visibilidade a um conteúdo diferenciado e que não é “um hit no mundo todo”.

Lembrando que audiência é importante para o Serviço Público de Mídia, mas a qualidade. Por exemplo, por que a EBC não faz parceria com conteúdos seriados de outras emissoras públicas? Ou dá maior destaque aos conteúdos já selecionados no Prodav?

Eu faço questão de citar (…) pessoas que trouxemos, que são do mercado e que aceitaram essa missão de fazer comunicação pública depois do desastre que encontramos. Dentro da Diretoria de Conteúdo e Programação (Dicop), os coordenadores e gerentes de fora do quadro da EBC centralizam o poder de decisão, inclusive com muita demora em aprovar os projetos. Um problema relatado por funcionários é que muitos talentos da casa estão desperdiçado, pessoas que poderiam contribuir de forma ativa e criativa são deixadas “na geladeira”. É extremamente desrespeitoso dizer que encontraram um desastre na EBC. Se a empresa manteve minimamente a missão de comunicação pública durante as gestões Temer e Bolsonaro, foi devido ao compromisso do corpo concursado com o trabalho, mesmo passando por seis anos de achatamento salarial e perseguições políticas.
Trouxe muito uma dimensão de gestão de pessoas, porque, além do meu repertório do audiovisual, eu também fiz um mestrado em administração pública e trabalhei muito com essas ferramentas para poder estar aqui. Então, fizemos um trabalho de qualificação do conteúdo, da pauta, do roteiro, de qualificação conceitual. Não houve qualquer trabalho de qualificação de roteiro, pauta ou mesmo editorial por parte da diretoria. Esse tipo de trabalho já era feito pelos trabalhadores concursados e assim continuou. Quanto ao piching interno feito pela nova gestão, apenas duas ideias foram aproveitadas e viraram programas nas rádios. Na TV, a única sugestão que vingou foi o retorno do Sem Censura ao antigo formato.

Na justificativa do contrato do Sem Censura, a diretoria manifestou desprezo pelo corpo funcional concursado: “É importante ressaltar que não é apropriado comparar os salários dos empregados concursados da EBC, que têm formações e atribuições específicas no âmbito jornalístico e técnicos de formação acadêmica, com os profissionais do mercado artístico do audiovisual. As habilidades e aptidões necessárias para atuar no mercado artístico muitas vezes não podem ser adquiridas por meio de formação acadêmica ou treinamento interno em uma empresa pública. Logo, não há que se falar em formação ou capacitação interna ou externa para transformar um empregado concursado em um profissional artista. São características intrínsecas ao indivíduo, desenvolvidas no contexto do mercado artístico, muitas vezes por nascer em ambiente artístico, ter parentes artistas, ou por tornar-se um YouTuber, TikToker, influenciador, comediante (stand up), apresentador de programas de televisão ou entrevistador reconhecido pela mídia. Esses profissionais frequentemente se destacam pelo alcance em redes sociais, carisma e experiência no mercado, aspectos que não se alinham às funções e critérios de contratação de concursados da EBC”.

Além da terceirização de programas, casos de assédio e perseguição continuam ocorrendo e há problemas com a gestão de empresas terceirizadas de manutenção e de limpeza, por exemplo, com os trabalhadores chegando a ficar sem receber salário por falta de pagamento da EBC à intermediária.

A Rádio MEC, para quem não sabe, é a primeira experiência de rádio do Brasil. Conforme já pacificado pelos estudiosos acadêmicos, a primeira rádio do Brasil foi a Rádio Clube de Pernambuco, inaugurada em 1919. A Rádio MEC pode ser considerada a primeira experiência de rádio pública, estreando como Rádio Sociedade em 1923, um empreendimento da Academia Brasileira de Ciências.
E o acervo de televisão, da antiga TVE e da Radiobrás, que, quando o presidente Lula faz a EBC, todo esse acervo vem para cá. Esse é o conjunto contido no acervo. Aí, um parêntese, só para falar da condição em que encontramos o acervo. Já estava e ainda está, mas temos um plano de trabalho para dar conta disso. Não há condições humanas de recuperação e preservação do acervo. Poucos empregados trabalham no setor, com uma demanda já muito grande de guarda para o que é produzido no dia a dia. Falta ainda recursos para o resgate do acervo histórico e digitalização de milhares de materiais. Esperamos ansiosos por essa atenção a esse acervo tão valioso, que é importantíssimo para o audiovisual brasileiro.
A Rádio MEC fez 100 anos em 2023. Tivemos uma série de eventos dessa efeméride e construímos esse projeto de digitalização do acervo da MEC, que é uma parte do acervo da EBC. As rádios da EBC estão abandonadas, com poucos profissionais e programas entrando em rede nas novas emissoras e nas históricas também.

A gestão escanteou os festivais de música que vinham se consolidando nas rádios. Em 2024 anunciou os vencedores via live e cancelou a cerimônia de entrega que era feita com show dos vencedores, por falta de verba. Não tiveram articulação nem para realizar o encerramento na Caixa Cultural, como ocorria antes.

A diretora de jornalismo é a Cidinha Matos, eu não sou a responsável pelo jornalismo, mas eu sou testemunha do trabalho dedicado, aguerrido que ela faz, apaixonada todos os dias ali, e dá o aumento exponencial da qualidade que ela conseguiu imprimir na Agência Brasil, nos veículos, nos jornais, o Jornal da Tarde, o Jornal da Noite, trouxe para o esporte também o jornalismo esportivo. Então, acho que em toda a parte da programação que é o jornalismo, e não só na TV Brasil, mas também nos outros veículos, houve uma enorme participação da Rede Nacional de Comunicação Pública. Se a pauta da Agência Brasil melhorou, é por mérito dos concursados que ocupam cargos de chefia. O Jornalismo da TV continua sem aprofundar os temas em reportagens, se valendo muito de notas e entradas ao vivo, bem como dividindo repórteres com o Canal Gov.

No radiojornalismo, as equipes estão desfalcadas e há casos de censura e governismo, assim como na Agência. Os radiojornais foram diminuídos em 25% e não há programas de entrevistas ou debates na grade da TV. O único com esse perfil, o DR com Leandro Demori, é uma produção da Dicop, e não da Dijor.

Não há planejamento para grandes coberturas de forma integrada entre os veículos, nem no dia a dia. As viagens para cobrir eventos pelos veículos públicos só ocorrem a convite, ou seja, quando são pagas por alguma empresa ou entidade.

Os cargos comissionados da Diretoria de Jornalismo foram cortados pela metade e falta pessoal para qualificar mais a cobertura. Os prêmios que os veículos e programas têm recebido em nada devem à atuação da diretoria, e sim à competência e comprometimento dos trabalhadores, que muitas vezes precisam brigar para fazer trabalhos mais aprofundados.

As transmissões esportivas ganharam muito mais espaço, mas o jornalismo esportivo não deve incremento de pessoal para atender a demanda. O setor continua funcionando sem investimento e com uma equipe mínima.

Na discussão do Plano de Cargos e Remunerações, a diretoria sugeriu rebaixar o salário dos jornalistas, que têm jornada diferenciada garantida por lei devido às especificidades da profissão, com a implementação de um “salário-hora”. O desprestígio do trabalho jornalístico na EBC foi registrado em Manifesto dos jornalistas.

A regulamentação é algo absolutamente prioritário na minha visão, no sentido de que você tem um enorme mercado. Porque de dez anos para cá o streaming se tornou um mercado gigantesco no Brasil, irregular, como se fosse um jogo do bicho. Apesar dessa fala da diretora, não vemos nenhum movimento da EBC no sentido de ocupar este espaço. A EBC não participa das negociações do governo sobre a regulação de streaming e não há um projeto para a EBC entrar de forma consistente nesse segmento. Os aplicativos TV Brasil Play e Rádios EBC são muito restritos, com vários programas excluídos por falta de licenciamento para essa plataforma. O conteúdo da Radioagência Nacional não fica disponível no aplicativo das Rádios.

A EBC sequer dialoga com o MINC na sua tentativa de criar um streaming próprio. Seria importante ao menos disputar esses espaços de forma mais eficaz, oferecendo ao público acesso em telas maiores que os smartphones, como já ocorre com muitos streamings comerciais, que estão disponíveis nas telas iniciais das smartTVs.

 

Dois pontos importantíssimos para que a EBC consiga retomar a trajetória de ascensão interrompida em 2016 e se consolidar na sociedade brasileira não foram tratados na entrevista: concurso público para repor o pessoal – houve perda de 25% dos trabalhadores entre 2016 e 2022 – e a instalação dos mecanismos de participação social, extintos desde 2016 e cuja votação para composição dos dois comitês foi feita em novembro de 2024. Sem esses dois fatores, até mesmo o status de empresa pública fica comprometido, já que a EBC tem investido em terceirização de atividades finalísticas, com a justificativa de falta de pessoal, e não conta com o diálogo que deveria ter com a sociedade, a quem de fato deve sua existência.

 

Confira a entrevista completa no link: https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2025/04/15/fizemos-da-tv-brasil-um-canal-que-exibe-a-producao-audiovisual-brasileira-diz-antonia-pellegrino/

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