Frente em Defesa da EBC alerta sobre possível quebra de igualdade e pede máxima transparência e ampla divulgação do edital
Após a confirmação do edital Seleção TV Brasil, que prevê investimentos recordes de R$110 milhões para produções independentes a serem veiculadas na TV pública, a diretora de Conteúdo e Programação da EBC, Antônia Pellegrino, vai participar de uma “masterclass” oferecida por uma empresa privada, supostamente para esclarecer dúvidas sobre o processo seletivo público.
Esta aula está sendo oferecida por uma empresa recém-criada, segundo descrito em sua rede social, onde se apresenta como “uma plataforma exclusiva para profissionais do audiovisual. Masterclasses, cursos, mentorias e conexão”. A aula será “exclusiva para membros da Transforma”, nesta terça-feira, 1ª de abril, via Zoom, e está anunciada como gratuita, mas é necessário fazer um cadastro na plataforma. É uma aula fechada, mesmo que gratuita, em uma plataforma privada, para tratar de um edital público, e ministrada pela diretora responsável pela seleção.
O evento configura-se em um claro e preocupante exemplo do que pode se enquadrar como conflito de interesses, onde a comunicação de informações relativas ao acesso a recursos públicos não está sendo realizada de forma republicana e transparente, conforme seria esperado. É razoável e desejável que um edital dessa importância tenha ampla divulgação e conhecimento pelo público em geral, especialmente os realizadores audiovisuais, porém, com uma plataforma privada delegando à própria diretora da EBC, responsável pela produção audiovisual para a TV Brasil e para as rádios Nacional e MEC, a responsabilidade de esclarecer pontos do edital, coloca-se em xeque a imparcialidade e a isenção que devem imperar sobre o processo.
A EBC, como empresa pública, tem o dever de garantir que todos os cidadãos e cidadãs e produtoras interessadas tenham acesso equânime às informações, sem favorecimentos ou direcionamentos específicos que possam beneficiar alguns grupos em detrimento de outros. Trata-se de um concurso público. Imagine, por exemplo, que a diretora de gestão de pessoas de uma empresa pública dê uma aula em um cursinho privado preparatório para uma seleção pública de pessoal para essa mesma empresa pública. Não seria, no mínimo, uma situação que quebraria a igualdade de condições entre candidatos?
As informações sobre editais públicos, especialmente aqueles que envolvem grandes somas de dinheiro, como os R$110 milhões mencionados neste caso, devem ser amplamente divulgadas e debatidas de forma democrática, para que o acesso a esses recursos não privilegie nenhum grupo em particular. A masterclass é necessária, mas deveria ser oferecida pela própria EBC, de forma ampla e aberta, em uma plataforma com acesso público e irrestrito a todos e todas interessados e interessadas. Um exemplo é a plataforma EV.G – Escola Virtual.Gov da Enap (Escola Nacional de Administração Pública), que possui outros cursos livres no seguimento, inclusive sobre concepção de projetos audiovisuais.
A iniciativa de realizar uma “masterclass” por uma plataforma fechada, pela internet, para um grupo de “associados” (ou potenciais associados) com uma diretora da própria EBC como mediadora de dúvidas sobre um edital da mesma instituição, pode ser interpretada como uma tentativa de manipulação de informações ou, pior ainda, de favorecimento de grupos que já possuem acesso privilegiado a canais com informações exclusivas. Ainda que se possa alegar que a participação é voluntária e gratuita, o interessado precisará informar dados pessoais, como nome, email e número de telefone, para ter acesso à transmissão. Como bem sabemos, dados são os ativos mais importantes em um mundo mediado por plataformas digitais. E, nesse caso específico, induz o participante a necessariamente se registrar num ambiente digital gerenciado por uma empresa privada que vende cursos e capacitação profissional justamente na área de audiovisual, que é o objeto do referido edital.
É fundamental que todos os processos relativos à distribuição de recursos públicos, especialmente em áreas tão sensíveis como a cultura e a produção audiovisual, sejam conduzidos com a máxima transparência e de forma a garantir a igualdade de oportunidades. A postura da diretora da EBC fere esses princípios, ao realizar evento sob o seu direcionamento, uma vez que ela própria estará envolvida na gestão do Edital.
Reiteramos, portanto, nossa preocupação com a falta de transparência e com a possibilidade de favorecimento de certos grupos sobre outros, o que fere o espírito republicano e democrático que deveria nortear a administração pública. Pior ainda, abre-se margem para questionamento sobre o edital por algum órgão de controle, como o Tribunal de Contas União (TCU), o que ameaçaria a efetividade de uma política pública cultural da mais alta importância para o desenvolvimento do ecossistema audiovisual brasileiro.
Solicitamos que a EBC tome as devidas providências para dirimir os efeitos da realização deste evento, além de esclarecer em quais condições este convite foi aceito pela diretora citada. Caso a aula se realize, é preciso garantir que esteja publicamente acessível a todos os interessados, em alguma plataforma ou canal público.
Pedimos, ainda, que a EBC realize transmissões ao vivo, a serem amplamente divulgadas, em seus próprios canais de comunicação para orientar interessados no edital, evitando, assim, qualquer tipo de favorecimento ou privilégio, e garantindo que todos os envolvidos no processo de inscrição e seleção de projetos tenham condições igualitárias de acesso aos recursos públicos.
Brasília, 31 de março de 2025.
Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública