Sistema de Participação Social debatido por meses envolveu consulta popular aberta, mas ainda não saiu do papel
Por DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia para o Brasil de Fato
O compromisso de união e reconstrução assumido pela atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se aplica plenamente ao campo da comunicação pública, um dos mais desmantelados da última década no país, especialmente em decorrência do desmonte promovido na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) por governos anteriores, um legado desastroso ainda longe de ser revertido, infelizmente.
Prometida desde o processo de transição de governo, no fim de 2022, a retomada da participação social na EBC – decorrido mais da metade do mandato – não foi concretizada até o momento. É verdade que passos essenciais foram dados, não sem pressão da sociedade civil, vale ressaltar. Ao longo de boa parte do ano passado, um grupo de trabalho (GT) criado pelo governo, com participação de trabalhadores, especialistas e integrantes da empresa e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), formulou um arranjo institucional com dois comitês de participação social, que constituem, juntos, a estrutura central do chamado Sistema Nacional de Participação Social (Sinpas) da EBC.
Um desses colegiados, o Comitê de Participação Social, Diversidade e Inclusão (CPADI), até foi instituído por portaria interna da EBC no fim do ano passado, após ampla consulta pública realizada na plataforma Participa+Brasil, com votação direta e aberta.
Já o Comitê Editorial e de Programação (Comep), este previsto na lei federal que regula a EBC e regulamentado em decreto, depende de nomeação assinada pelo próprio presidente da República, em publicação no Diário Oficial da União (DOU). Pelo arranjo desenhado, o Cpadi é composto pelos integrantes do Comep, o que, na prática, faz com que a instituição de um comitê dependa da formalização do outro.
As listas tríplices dos nomes mais votados por segmento do Comep foram encaminhadas ao Palácio do Planalto ainda em dezembro do ano passado. Elas incluem representantes de 10 segmentos: emissoras públicas de rádio e televisão; cursos superiores de comunicação social; setor audiovisual independente; veículos legislativos de comunicação; comunidade cultural; comunidade científica e tecnológica; entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes; entidade da sociedade civil de defesa do direito à comunicação; e cursos superiores de educação.
A finalidade dessa representação é justamente promover a participação da sociedade civil no acompanhamento da programação das emissoras públicas, para que elas cumpram exatamente os princípios esperados do sistema público de radiodifusão. Já são cerca de quatro meses inexplicáveis de atraso, que não apenas frustram a expectativa da sociedade civil que legitimou e mobilizou um democrático processo de consulta pública, como colocam em dúvida o compromisso do governo com uma pauta cara à democracia como essa.
Relatos de interlocutores que acompanham o andamento dessa pauta dizem que o ministro Sidônio Palmeira, que assumiu a Secom em janeiro deste ano, teria pedido um complemento da exposição de motivos sobre a consulta, e que a nomeação sairia em março, o que claramente não aconteceu. Uma carta assinada por mais de 60 entidades chegou a ser enviada ao chefe da Secom em meados de fevereiro, mas, até o momento, não parece ter surtido efeito.
Vale lembrar que o atraso na nomeação do Comitê Editorial e de Programação da EBC é um flagrante descumprimento de decisão judicial, em Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Ministério Público Federal (MPF) ainda em 2019. Essa sentença também determinou à União e à EBC que garantam programação local em suas filiais do Rio de Janeiro, do Maranhão e do Distrito Federal, o que igualmente segue sendo descumprido. Recentemente, o MPF voltou a pedir o cumprimento da decisão judicial.
Conglomerado de mídia estratégico para a promoção do direito à comunicação, valorização da cultura e combate à desinformação, a EBC materializa uma previsão constitucional que atribui ao Estado brasileiro a responsabilidade de fomentar um ambiente de pluralidade e diversidade na esfera pública, sem o qual a própria estabilidade democrática fica ameaçada, como temos acompanhado dramaticamente na história contemporânea do país. É fundamental que esse projeto seja restabelecido envolvendo a sociedade civil diretamente na sua construção, como recomendam as melhores práticas mundo afora.
*Pedro Rafael Vilela é jornalista, mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB) e repórter da Agência Brasil, veículo da EBC. Integrante do DiraCom, atualmente é coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e estudante de graduação em Ciências Sociais na UnB. Foi secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) por 8 anos (2014 a 2022) e participou do Grupo de Trabalho que formulou o novo Sistema de Participação Social na EBC.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.