Conteúdo institucional ignora reivindicações e omite vozes históricas e atuais da emissora
Na última quinta-feira (20), a Rádio MEC, a primeira emissora de radiodifusão pública no país, completou 100 anos de transmissões ininterruptas. A rádio é a mais antiga do Rio de Janeiro em funcionamento e celebrou o feito em evento para 400 pessoas, no Teatro da Caixa Nelson Rodrigues, que estava lotado. Os veículos da EBC fizeram a cobertura, mas se comportaram como órgãos de assessoria de imprensa da empresa, o que não é demérito, se as matérias não tivessem sido publicadas nos veículos públicos.
Ficaram de fora das reportagens da TV Brasil, Agência Brasil e Radioagência Nacional produtores, jornalistas, músicos, ex-diretores, especialistas e ouvintes, presentes no evento e que acompanham as duas emissoras (Rádio MEC e MEC FM). Certamente, teriam acrescentado declarações e depoimentos às matérias da EBC, considerando o momento atual e o passado de desmonte e censura, nos governos anteriores.
As matérias ainda omitiram o protesto feito em meio à comemoração. Um grupo abriu uma faixa pedindo a migração da Rádio MEC AM para o FM, de modo que a rádio chegue “aonde o povo está”. O protesto foi aplaudido e ficou registrado na transmissão feita pelo Youtube da Rádio MEC, sem cortes. Hoje, no dial AM, a Rádio MEC está inaudível.
Na cobertura, foi notada ainda a ausência de imagens do protesto e do público na galeria da Agência Brasil, que enviou repórter-fotográfico. O fato comprova que a cobertura da cerimônia foi apenas institucional e deveria ser publicada na página institucional da EBC.
Já na Radioagência, observamos o esforço da reportagem de perguntar ao presidente da EBC, Héio Doyle, que estava no local, os planos para a “expansão da rádio”. Ele respondeu de forma vaga, embora saudando a relevância de se manter no ar os veículos públicos como difusores e promotores de informação e da cultura. Doyle não comentou a migração, apenas mencionou parcerias com outras emissoras.
Nas reportagens foram destaques os planos da EBC para a programação anual das emissoras AM e FM, os eventos externos, como o concerto com a Petrobras Sinfônica e o tradicional Festival de Música da Rádio MEC, além da digitalização e do tombamento nacional do acervo pelo IPHAN, todos muito relevantes. O tombamento estadual foi feito em 2022, graças à articulação da sociedade civil e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (ALERJ).
Por fim, é preciso citar o vídeo sobre a história da MEC exibido na cerimônia. Ao mencionar “pessoas ilustres” o marketing não incluiu nenhuma negra. Predominam homens, o que também não condiz. A intelectual e coordenadora nacional do Projeto Minerva, a professora e pós-doutora Helena Theodoro, uma mulher negra, acabou de ser homenageada pela deputada federal Benedita da Silva e por empregadas e empregados da EBC por sua trajetória de 35 anos na Rádio MEC, onde entrou como pianista, e poderia ter sido lembrada.
Quem tem acesso aos conteúdos também fica confuso, sem saber se os planos da EBC buscam fortalecer a marca, como um todo, ou a emissora centenária. A Rádio MEC opera na frequência 800 AM com programação distinta da MEC FM, que é de música clássica. Nas reportagens e discursos, há falas que citam programas da FM (mais musical) como se fossem da AM. A programação da MEC AM, embora inclua música de concerto, é de música popular, programas de arte e entrevistas, por exemplo.
Atenta ao aniversário da MEC, a sociedade civil lançou, no Congresso Nacional no início de abril, por meio da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, manifesto defendendo medidas para que a rádio possa se perpetuar no dial e na web. Além da migração para o FM, está o pedido de expansão para o interior do Rio de Janeiro e a recriação do Conselho Curador, além do fortalecimento da programação independente e de concursos.
Ao ignorar o público, a EBC perdeu, mais uma vez, a chance de fazer uma interlocução com a sociedade, para quem a rádio pública foi criada por Roquette-Pinto, em 1923, com o nome de Rádio Sociedade. Foi também a sociedade civil organizada que sustentou e apoiou a emissora diante de tantas ameaças e ataques nos últimos cem anos. Não deveria ter ficado fora da festa.
Convém lembrar que a EBC não é do governo, é do povo brasileiro.
Reportagens analisadas:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/cultura/audio/2023-04/radio-mec-chega-100-anos-de-historia-com-novidades
https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2023/04/radio-mec-guarda-memoria-da-comunicacao-publica
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/radio-mec-celebra-100-anos-e-anuncia-programacao-especial