O avestruz é a maior ave que existe, podendo chegar a 2,7 metros de altura. Chama muita atenção, apesar de não voar. O mito em torno dessa ave diz que ela enterra a cabeça na areia ao menor sinal de perigo. No popular, a síndrome de avestruz indica o comportamento da pessoa que prefere não ver, ou fingir que não vê, alguma situação de dificuldade ou que pode ser embaraçosa.

Parece ser o que acontece com o jornalismo da EBC em ocasiões como no sábado dia 29 de maio. Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas em mais de 100 cidades brasileiras, em plena pandemia de Covid-19, com um recado muito claro: é inaceitável a gestão que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo nessa crise sanitária. Ou seja, o presidente pode ser mais perigoso do que o vírus, já que todas essas pessoas preferiram sair de suas casas e romper a recomendação de isolamento social para protestar.

“Fora Bolsonaro”, “Fora BolsoVírus”, “Ele não”, “Impeachment já”, “Por vacina, salário e emprego”, “Genocida” foram alguns dos cartazes vistos nos atos, que encheram o Eixo Monumental, em Brasília, a Avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro e a Avenida Paulista, em São Paulo, entre outros locais.

Tentando fingir que não viu nada, a Agência Brasil publicou uma matéria protocolar (https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-05/manifestantes-participam-de-atos-contra-o-governo-federal), com apenas quatro parágrafos e o título genérico “Manifestantes participam de atos contra o governo federal”.


“Manifestantes foram às ruas neste sábado (29) em várias cidades do país para protestar contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Pessoas ligadas a partidos de oposição, movimentos sociais e de estudantes saíram em passeata em defesa do pagamento de R$ 600 de auxílio emergencial, verbas para universidades públicas e ampliação da vacinação contra a covid-19. Também houve protestos contra a privatização de estatais e a reforma administrativa”, informou a reportagem.

Os outros três parágrafos descreveram rapidamente como ocorreram as manifestações em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Sem nenhuma informação sobre o tamanho dos atos, nenhuma fala de liderança ou participante, sem galeria de fotos e despersonalizando os protestos, colocando o alvo como “o governo”.

Também não há nenhuma menção à repressão violenta que ocorreu ao ato de Recife, onde uma pessoa perdeu um olho após ser ferido por balas de borracha disparada pela polícia para dispersar os manifestantes, além da vereadora Liana Cirne ter sido agredida com spray de pimenta no rosto.

A TV Brasil e a Radiogência Nacional não mencionaram os atos durante todo o fim de semana. Apenas na manhã de segunda-feira (31), o jornal Repórter Nacional, que vai ao ar pelas rádios Nacional e pela TV Brasil, uma nota lida pelos apresentadores informa que o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, determinou que “dois homens feridos” em Recife recebam cuidados médicos e sejam indenizados (https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-nacional/2021/05/termina-hoje-o-prazo-para-entrega-da-declaracao-do-imposto-de-renda).

Em apenas 30 segundos, a nota dá ênfase ao governador e fala que os homens foram feridos em “confrontos com a polícia em protestos contra o governo federal”, cujas reivindicações incluíam “mais vacinas, auxílio emergencial de R$ 600, o fim das privatizações e da reforma administrativa”. A notícia termina com a informação de que “com exceção de Recife, o evento foi pacífico nas demais localidades”.

Além do foco oficialista, no governador, a nota tem ainda outro problema: dá a entender que a polícia teria reagido à violência do ato e entrado em confronto com os manifestantes. Mas o que ocorreu foi um ato pacífico também em Recife, que foi dispersado com violência desproporcional pela polícia. Não houve confronto.

Assim como boa parte da mídia comercial, o jornalismo da EBC fingiu que não viu a dimensão dos atos contra o presidente. Nas redes sociais, chamou a atenção no domingo as capas de O Globo e O Estado de São Paulo ignorando as manifestações, enquanto a notícia tinha destaque em jornais de fora do país, como El País e The Guardian. Resta saber o porquê dos veículos públicos da EBC terem enterrado a cabeça no lugar de noticiar devidamente os fatos.

Capa da Agência Brasil na tarde de 29 de maio: sem menção aos atos
No domingo (30), circulou nas redes sociais a falta de menção aos atos na capa de dois dos maiores jornais do país
O jornal espanhol El Pais destacou os protestos
Site britânico The Guardian destaca os protestos contra Bolsonaro no Brasil

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