Nesse 7 de setembro, a Agência Brasil fez uma ampla cobertura dos fatos do dia, com os tradicionais desfiles militares, declarações de autoridades e também o Grito dos Excluídos. E publicou no mesmo dia uma série de reportagens contextualizando a data, ouvindo diversos historiadores, pesquisadores e especialistas sobre os sentidos que a data da Independência do Brasil levanta.

O primeiro texto sobre o Dia da Independência, publicado na véspera, às 21h19, não poderia ser mais oficialista: Em pronunciamento, Lula defende democracia e união do país. Matéria declaratória, reproduzindo o que o presidente falou no discurso transmitido em rede nacional de rádio e televisão, “em defesa da democracia, da soberania e da união nacional” e destacando dados positivos da economia do país alcançados este ano, com a volta dele à presidência da república.

Nas matérias de serviço, tivemos a programação do Museu do Ipiranga, fechamento de ruas para o desfile no Rio de Janeiro e sobre o desfile em Brasília. Na semana anterior, também foi publicada uma reportagem sobre a programação oficial e orientações para quem fosse assistir ao desfile e outra sobre a exposição de veículos e equipamentos militares e de outras forças de segurança no Parque da Cidade, com declarações de muitas pessoas que a visitaram no dia da abertura.

A cobertura dos desfiles militares não fugiu do tradicional, com descrição do evento e do ambiente, depoimentos do público presente e declarações de autoridades. Foram um texto sobre o Rio de Janeiro, um de São Paulo e quatro de Brasília: Paulo Pimenta diz que 7 de Setembro é do povo brasileiro, Desfile de 7 de Setembro emociona público em Brasília, Zé Gotinha desfila no 7 de Setembro em Brasília e Com coro pela democracia, Lula participa de desfile pela nona vez.

Também na temática militar, a ABr publicou no mesmo dia a reportagem Defesa nacional terá R$ 52,8 bilhões para equipamentos e tecnologias. Além do anúncio dos valores do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a distribuição entre as forças, o texto trouxe análise de um professor da UnB, fugindo do oficialismo, apesar da opinião corroborar a necessidade do investimento vultoso em defesa.

O 29º Grito dos Excluídos e Excluídas, marcha tradicional dos movimentos sociais para contrapor o desfile militar do 7 de setembro, teve cobertura no Rio de Janeiro e em São Paulo. O tema da edição deste ano foi “Você tem fome e sede de quê?” e a marcha destacou o protagonismo do povo na soberania do país. As duas reportagens reproduziram frases das faixas, falas dos manifestantes e de lideranças e trouxeram uma galeria de fotos.

Um toque sutil ficou por conta da publicação, no mesmo 7 de setembro, da reportagem Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI, dentro do especial 50 anos do Programa Nacional de Imunizações que a ABr publica ao longo do mês de setembro. O texto ressalta a censura que a Ditadura Militar impôs aos dados da meningite, tentando abafar a gravidade da crise, o que retardou a resposta do sistema de saúde ao surto na década de 1970.

 

Análises

Na parte analítica, foram ao todo sete reportagens, com a primeira publicada na noite do dia 6: Professora afirma que 7 de Setembro foi construído de forma elitista, com o enfático subtítulo  “’É uma história branca’, observa a historiadora Ynaê Lopes dos Santos”. O texto destaca “as lutas pelas independências”, assim mesmo, no plural, explicando os diversos contextos sociais e políticos locais para além do grito de “Independência ou morte” ouvido pelas margens do Rio Ipiranga.

No dia 7, às 7h, foi publicada a reportagem Museu do Ipiranga ajuda a repensar história da Independência do Brasil. Local construído às margens do Ipiranga e que abriga o famoso quadro de Pedro Américo, o Museu Paulista foi reinaugurado nas celebrações do bicentenário da Independência no ano passado, tudo conforme o figurino da tradição branca e elitista da construção do feriado. Porém, o texto reflete sobre a atualização, inclusive de pensamento, pela qual passou o espaço expositivo na última reforma, que trouxe outras visões sobre a independência e a história do Brasil ali retratadas.

O texto Para pesquisadoras, 7/9 é dia de reflexão sobre história do Brasil destaca o pensamento contra-hegemônico representado por três historiadoras, duas negras, Ynaé Lopes dos Santos e Wlamyra Albuquerque, e uma indígena, Marize Guarani, propondo repensar os sentidos da data de forma crítica. Por exemplo, a participação das mulheres e das populações indígenas e negras no processo de emancipação de Portugal. Excluídos do processo oficial na época e permanecendo assim até os dias atuais. A reportagem também relata o mito de criação da Independência e o nascimento do Grito dos Excluídos, em 1995.

Desfiles de 7 de setembro reforçam imaginário de força explica a construção histórica feita em torno da data para se tornar a exibição militar com caráter cívico atribuído nos dias de hoje, organizado por Getúlio Vargas com inspiração em Napoleão Bonaparte. Depois utilizados pelo autoritarismo da ditadura militar e de Jair Bolsonaro como demonstração de força do governo. Destacamos a fala da historiadora Adriana Barreto sobre a função constitucional das Forças Armadas:

“O que vemos hoje com clareza, após essa politização escancarada das Forças Armadas [ocorrida recentemente no governo de Jair Bolsonaro], é que essa relação precisa mudar, é viciosa e se reproduz geracionalmente. As Forças Armadas são parte da burocracia do Estado. A relação não pode ser de mundos (militares e civis) apartados e em oposição. Como burocracia, e burocracia armada, ela precisa estar rigorosamente submetida ao poder civil. A relação não pode ser horizontal, menos ainda de oposição. Do contrário, a sociedade pode se tornar refém daqueles que deveriam protegê-la, de seus próprios militares”.

A reportagem Para historiador, independência criou nação fundada na escravidão destaca que o Brasil continuou com o sistema escravista por quase sete décadas depois da emancipação de Portugal. Para satisfazer os interesses das elites senhoriais, que se mantém ao longo dos séculos, com os pactos aparecendo na Independência, na abolição e na Proclamação da República. E mantendo a desigualdade social e o genocídio das populações negras e indígenas.

Apesar do título oficialista, abraçando o slogan do governo, a reportagem Desfile de 7 de setembro retoma sentido democrático e de harmonia traz boas análises sobre a data e a tradição da comemoração de forma popular, com a retomada depois do uso político feito pelo governo anterior. Destaca também a necessidade de reformular a doutrina militar, para que as forças se integrem de maneira mais harmônica à sociedade civil, sem a ideia do “inimigo interno” nem de tutela da democracia, e sim como técnicos operacionais.

A última matéria sobre o 7 de setembro discute justamente a formação dos militares no Brasil. Militares defendem formação; pesquisadores criticam currículo retoma as críticas dos pesquisadores da matéria anterior. Os depoimentos de militares e estudantes que desfilaram em Brasília corroboram os valores das forças armadas introjetados nos jovens desde o início da formação, de sacrifício, disciplina, honra, patriotismo e lealdade, com a necessidade de abrir mão de muitos hábitos para “absorver os valores da instituição”.

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