O grande problema reside na falta de planejamento de quem comandou a Empresa Brasil de Comunicação nos últimos anos
Os alvos da vez do governo Bolsonaro (PL) são as rádios MEC AM (800 kHz) e Nacional AM (1130 kHz), emissoras da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Oficialmente já foi comunicada a pretensão de desligá-las até o final de abril e já foi determinada a redução da potência dos transmissores.
A informação foi divulgada inicialmente pelo jornalista Lauro Jardim, na sua coluna do jornal O Globo, no final do mês de fevereiro. O objetivo principal, de acordo com as conversas com os colegas que trabalham junto aos gestores, é uniformizar a programação dentro de uma linha mais “chapa branca”, mas sem levar em consideração a importância histórica de cada uma dessas emissoras na formação cultural do país.
Essa ameaça não é nova.
Ela apenas ganhou novos contornos nas últimas semanas. E para se entender direitinho como a situação chegou nesse nível, precisamos entender como o processo de migração das emissoras de rádio da faixa AM para FM está se desenrolando.
Tudo começa em maio de 2010, quando a Agência Nacional de Telecomunicações publicou um estudo sobre a viabilidade técnica dessa migração, a partir dos canais 5 e 6 de televisão em Santa Catarina. Dois anos depois, durante o 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, o então Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, comunicou a decisão do governo de continuar com os estudos para a migração das rádios AM para a faixa FM.
Até que em 7 de novembro de 2013 (Dia do Radialista), a presidente Dilma Rousseff assinou o decreto n.º 8.139/13 com todas as regras para que esse processo acontecesse. Em linhas gerais, cada emissora deveria apresentar ao Governo Federal um pedido oficial para migrar da faixa AM para a FM. Quem fosse mais rápido, pegaria uma boa posição no dial. Quem ficasse para trás, ou permaneceria numa posição ruim (e que não é captada pela grande maioria dos nossos aparelhos de rádio) ou teria que trabalhar apenas na internet.
Em abril de 2021, o Governo Federal (já na gestão Jair Bolsonaro) editou mais um decreto reabrindo os prazos de migração das emissoras de rádio por mais um ano. Um dos trechos do texto diz o seguinte: “A execução do serviço de radiodifusão sonora em ondas médias de caráter local somente será permitida até 31 de dezembro de 2023, quando o Ministério das Comunicações realizará o reenquadramento das outorgas remanescentes de caráter local para caráter regional.”
Falta de planejamento
O grande problema, no entanto, reside na falta de planejamento de quem comandou a EBC nesses últimos anos. As coisas foram simplesmente sendo empurradas com a barriga por conta de prioridades que não tinham absolutamente nada a ver com o real objetivo de uma emissora pública.
Para vocês terem uma ideia do tamanho do descaso, a Rádio Nacional opera em caráter experimental na faixa de 87,1 FM desde maio do ano passado no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Recife. Ninguém de dentro da EBC é capaz de dizer se esse será a frequência definitiva daquela que é chamada de “emissora mais querida do Brasil” ou se haverá alguma mudança nos próximos meses.
O buraco é ainda mais fundo.
A Rádio MEC FM, conhecidíssima pela sua programação voltada para a música erudita continua no ar (sabe-se Deus até quando). Mas a histórica MEC AM, aquela que é considerada a emissora mais antiga do Brasil ainda em operação e que nasceu com uma proposta educativa e cultural por iniciativa de nomes como Edgard Roquette-Pinto e Henrique Charles Morize (ainda com o nome de Rádio Sociedade do Rio de Janeiro), seguiu no limbo.
Pelo que pude apurar, não houve o menor interesse dos gestores da EBC de levar ao Governo Federal a intenção de passar a MEC para a faixa de FM.
As conversas com os colegas revelaram ainda outros problemas básicos de estrutura. Desde março de 2020, as emissoras da EBC não conseguem mais realizar transmissões externas, como jogos de futebol ou concertos. Tudo porque os contratos com as empresas de internet e telefonia não foram renovados e honrados como acontecia nas gestões de Lula (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Enquanto essa questão não é resolvida, as transmissões esportivas são feitas através do “off-tube” (o popular “geladão”) e os concertos são realizados com a ida dos músicos convidados para os estúdios da TV Brasil, casa das rádios MEC e Nacional desde o ano de 2012.
Só que aí temos outro problema sério.
Não foram poucas as vezes em que os funcionários tiveram que lidar com o calor por conta do mau funcionamento dos aparelhos de ar-condicionado e a pressão dos gestores durante sua jornada de trabalho. Há também relatos de infestação de mosquitos nos estúdios e infiltrações e goteiras quando chove mais forte.
Não se sabe o que vai acontecer no futuro. O que se sabe é que existe sim um processo em curso. A má vontade da direção da EBC com as rádios MEC e Nacional é clara e evidente. E os motivos são os mais variados possíveis. Existe a conveniência daquele gerente que tem seu programa na TV e que não quer “perder espaço” para outro veículo (como se isso fosse possível), há o interesse de se privilegiar uma praça em detrimento das outras além do erro básico de se insistir numa “programação nacional” quando se sabe que o rádio sempre teve um caráter mais local do que uma emissora de televisão, por exemplo.
Além disso, o clima entre os funcionários é de dúvidas e incertezas, visto que nem mesmo as chefias imediatas sabem o que vai acontecer com a Nacional e a MEC nos próximos dias.
O descaso com duas das emissoras de rádio mais importantes do Brasil é mais um capítulo nefasto desse processo de destruição de tudo o que serve ao cidadão, isto é, eu e você. Não estamos falando apenas de empregos. Estamos falando de cultura, história, educação e entretenimento.
Tudo o que essa gente odeia. Aliás, pessoas pequenas são assim mesmo. Detestam ver os outros felizes. E detestam reconhecer que funcionários públicos concursados são capazes de fazer um trabalho muito melhor do que qualquer um deles.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Edição: Mariana Pitasse
Link para a publicação original: https://www.brasildefatorj.com.br/2022/03/29/analise-desligamento-das-radios-mec-e-nacional-a-visao-de-quem-vive-o-caos-diario