Parece déjà vu, mas não é. A TV Brasil voltou a comprar novelas bíblicas. Dessa vez, a produção é do México, não da Record. O notícia foi publicada pela editoria de entretenimento e cultura pop do jornal Folha de São Paulo, no dia 8 de novembro (https://f5.folha.uol.com.br/televisao/2023/11/tv-brasil-compra-serie-catolica-mexicana-apos-descartar-novelas-biblicas-da-record.shtml).
Segundo a notícia, a EBC comprou os direitos da série Maria Madalena, uma produção de 2018 da TV Azteca, a segunda maior emissora do México. A produção estava disponível até março de 2023 pela Netflix. Os 60 capítulos serão transmitidos dublados no horário nobre destinado anteriormente às novelas compradas da Record, como 10 Mandamentos e Terra Prometida.
“A série, que tem viés católico por conta da religião ser a de maiores adeptos no México, conta passagens da clássica personagem bíblica que foi uma das seguidoras de Jesus Cristo. A produção foi elogiada por dar uma linha mais realista para a história”, relata a Folha.
No dia 11 de novembro, não encontramos nenhuma referência à nova novela no site da TV Brasil. Mas encontramos um anúncio no Instagram da emissora, postado no dia 9, ou seja, depois da notícia da Folha.
“NOVIDADE 📣 | “Maria Madalena” é a nova novela da #TVBrasil! 🤩 Protagonizada por María Fernanda Yepes, a trama acompanha a transformação de Maria Madalena, fundamentada no amor e devoção ao seu Senhor, que a faz desafiar a sociedade de maneira inacreditável. Preparado para se emocionar? 💙 Dia 20, às 20h, você começa a acompanhar esse grande sucesso, na tela da TV Brasil! 📺”
A TV Brasil não deu mais detalhes sobre a produção.
Já apontamos aqui, nesta Ouvidoria Cidadã, como é problemática a compra de novelas bíblicas (https://ouvidoriacidadaebc.org/exibicao-da-novela-os-dez-mandamentos-pela-tv-brasil-fere-a-constituicao/), já que, no caso dos 10 Mandamentos, além do proselitismo religioso proibido pela lei de criação da EBC, também se tratava de um produto da comunicação comercial brasileira já reprisada algumas vezes.
Maria Madalena é inédito na TV aberta do Brasil, mas também é um produto de uma emissora comercial e pouco ou nada contribui para a complementaridade prevista na Constituição Federal, entre os sistemas público, comercial e estatal de radiodifusão.
Vemos se repetir o problema do whitewashing, ou “embranquecimento”, na telenovela, visto que também na produção mexicana, se repete o uso de atores brancos nos papéis principais. Quando a trama se passa no Oriente Médio.
Os programas de cunho religioso foram amplamente debatidos pelo Conselho Curador da EBC, antes do colegiado ser extinto em 2016. Na ocasião, foi questionada a transmissão da missa católica e de um programa evangélico pela TV Brasil, em detrimento de todas as outras religiões professadas no país. A justiça, com decisão liminar, negou a retirada dos dois programas da grade da TV pública. Mas foram incluídas novas produções dentro do eixo da diversidade religiosa.
Com essa compra, mais uma vez vemos a EBC ignorar os princípios da Lei 11.652, além de todo o debate acumulado pela sociedade civil sobre o tema, por meio do Conselho Curador. São decisões de gabinete, feitas sem participação social, que contradizem os princípios de diversidade e representatividade tão caros à comunicação pública.