Jornalismo na TV Brasil e nas rádios deve ser diferencial da empresa que deve apostar em conteúdos críticos

Um dos principais diferenciais da comunicação pública em relação aos veículos comerciais, a chamada mídia hegemônica, deve ser um jornalismo de referência, feito com profundidade, pluralismo e independência de governos e do mercado, que ajude a sociedade a fortalecer valores humanos, éticos e a democracia em si.

Os veículos públicos não dependem de anunciantes, por isso, podem se dedicar a conteúdos mais sofisticados e críticos. É isso que se espera da cobertura dos 50 anos do golpe militar no Chile pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, e de seus veículos.

Recentemente, a empresa mudou a identidade visual, mas não deu a esperada guinada no jornalismo da TV Brasil e das rádios públicas. Aguardamos as reportagens aprofundadas, os documentários e os novos telejornais.Haverá programas jornalísticos com novas caras e sotaques? Debates? Os telejornais locais acabaram e nada foi colocado no lugar. Há poucos dias, a empresa anunciou internamente a intenção de cortar radiojornais em 25% por serem “maçantes”. Ora, ora, ora, a comunicação pública tem o dever de informar e educar, não apenas entreter, diria Roquette-Pinto, fundador da Rádio Sociedade, atual Rádio MEC.

O jornalismo na radiodifusão pública míngua. Observamos certo protagonismo dos veículos online da empresa, com cobertura crítica da Independência, com a corajosa matéria em linguagem neutra sobre a posse des parlamentares LGBTQIA+, sobre áudios do Superior Tribunal Militar (STM) reconhecendo a tortura na ditadura, com o podcast sobre pessoas neurodivergentes, pensado para o digital, além do especial sobre os 50 anos do programa de imunizações (e uma bela entrevista com o criador do Zé Gotinha).

Mas ainda é necessário investir no rádio e na televisão, além de espalhar esses conteúdos em vários formatos no digital. A mídia pública tem de ir aonde o povo está, parafraseando Milton Nascimento.

A cobertura dos 50 anos do golpe militar no Chile, a ser lembrado neste 11 de setembro, que contou com a participação do Brasil, exportando equipamentos e práticas de tortura, é mais uma oportunidade para a gestão do presidente Hélio Doyle, jornalista e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), mostrar a que veio. O Chile é logo ali e prepara uma série de eventos para lembrar a tragédia que tirou o país do rumo, torturou, matou, roubou 20 mil crianças, desviou verbas públicas e conduziu o povo ao atraso e à miséria, tal qual aqui, onde a barbárie contou com apoio de empresas de mídia.

A EBC tem programas jornalísticos de referência, como o hoje diminuto Caminhos da Reportagem. Recentemente, fez uma belíssima série de debates precedidos de filmes discutindo o golpe no Brasil com apresentação da jornalista Cristina Serra. A empresa conta ainda com uma dezena de profissionais entre os mais premiados do mercado.

Um bom jornalismo é condição sine qua non para que a sociedade apoie a nova EBC, depois dos ataques dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, nos quais a empresa perdeu mecanismos de independência, foi ameaçada de privatização, censurada e orientada para a comunicação de governo com recursos da comunicação pública!

Pela resistência, seus jornalistas ganharam o prêmio Vladimir Herzog, o maior de direitos humanos do país, em 2022, “por sua contribuição ao jornalismo”.

É chegada a hora da virada de chave, com direito a editorial e tudo.

Desde 2016, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a EBC perdeu a instância de participação social com a cassação do Conselho Curador; também foram extirpados da Lei 11.652, de criação da empresa, os mecanismos que garantiam certa independência em relação a governos. Assim, a EBC deixou a condição de emissora pública, conceitualmente, para tornar-se mera empresa de comunicação estatal.

A situação não foi revertida neste governo, que ampliou serviços demandados pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) e ministérios à EBC sem aumento de equipes, apenas remanejando cargos da área pública. Ou seja, para se justificar, no contexto atual, ao menos o conteúdo deve estar à altura do projeto da EBC.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou a empresa no contexto do I Fórum de TVs Públicas, em 2007, e da I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, dando vida à a radiodifusão pública no Brasil, cumprindo a complementaridade entre os sistemas de comunicação, previsto no artigo 223 da Constituição Federal, e promovendo a liberdade de expressão e o direito à informação. Deste governo, continuaremos a cobrar clareza sobre o projeto da nova EBC. Pois, a comunicação pública se faz na democracia. Ou não se faz.

*Formada por organizações da sociedade civil, incluindo o Conselho Curador Cassado, a Ouvidoria Cidadã analisa conteúdos da EBC com o olhar para os princípios da comunicação pública. O mecanismo foi criado após o desmonte da Lei 11.652.

 

Publicado originalmente no Brasil de Fato: https://www.brasildefatorj.com.br/2023/09/11/artigo-cobertura-dos-50-anos-do-golpe-militar-no-chile-e-a-prova-de-fogo-para-a-nova-ebc

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