O Ciclo de Debates – O Presente e o Futuro da Comunicação Pública chegou ao fim nessa semana com uma aula de altíssimo nível. Na 7ª sessão do encontro, promovido pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (Portugal), os destaques foram o professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo César Ramos e o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Hélio Doyle. O debate completo pode ser conferido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=xUcvvAxPOqY.

Eles falaram sobre desafios para tornar o serviço público de radiodifusão mais conhecido e relevante e concordaram que é primordial rever o modelo institucional da EBC. Ambos consentiram também com a volta do Conselho Curador, mecanismo que garante o caráter público, de participação social, à EBC. O professor Murilo destacou que a recriação do conselho tem o “simbolismo político” de trazer de volta a sociedade, “extirpada da EBC”, durante o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016.

Murilo relembrou a própria vivência no Encontro Nacional de Jornalistas em 1987, preparatório para a Assembleia Nacional Constituinte, a convite de Doyle, quando discutiram a implantação do serviço público no país. À época, Doyle era presidente do sindicato dos jornalistas do DF. No evento, pesquisadores de referência no campo, como Venício Lima, Luiz Gonzaga Motta e Sérgio Porto, avaliaram, pela primeira vez, que a antiga Radiobrás poderia organizar o campo da radiodifusão pública e sugeriram que o modelo de referência para o Brasil fosse o norte-americano, da PBS, no qual não há uma emissora que produz e distribui os conteúdos de forma centralizada, a chamada “cabeça de rede”, e sim um sistema onde ocorra troca entre as diversas emissoras. Nos debates do evento, o jornalista Perseu Abramo, por outro lado, lembrou Murilo, preferia o modelo de gestão por uma fundação.

Para defender o modelo da PBS ainda hoje, o professor destacou a “ossatura”, o potencial e a capilaridade das rádios hoje vinculadas à EBC, incluindo o papel delas no combate à desinformação. “Aí é que está a chave”, afirmou, reiterando que o modelo estadunidense da PBS faz mais sentido pela valorização das rádios locais. De acordo com ele, recentemente a UnB entregou ao Ministério das Comunicações uma proposta para atualizar a lei da radiodifusão no país, incluindo um redesenho da EBC, de modo a aproximá-la dessa referência. “É um privilégio do Estado brasileiro ter esse elenco de rádios em lugares estratégicos”. O  professor resgatou ainda o papel precursor de Roquette-Pinto, criador da Rádio Sociedade, atual Rádio MEC (que fez cem anos em abril, mesma idade da BBC) e nasceu como uma rádio não-comercial. Hoje a emissora é administrada pela EBC.

Apesar desse histórico, Murilo avaliou que a EBC era muito jovem quando foi desmontada pelo governo de Michel Temer e que, por isso, não teve tempo de ser apropriada pela população. A empresa foi criada pela Lei 11.652 em 2008 e sofreu um revés no golpe dado por Michel Temer, em 2016. Com poucos anos de vida, a EBC perdeu o arcabouço legal que lhe garantia o caráter público, ou seja, o Conselho Curador e o mandato do diretor-presidente. Mesmo assim, Murilo avaliou que “saber se a EBC (com caráter público) ‘deu certo’ será trabalho de uma geração”. Para ele, o serviço público de radiodifusão no Brasil precisa ser reconstruído do zero.

César Ramos também foi enfático ao cobrar a instalação do Conselho Curador ad hoc, sem passar pelo Congresso Nacional. Ainda na avaliação dele, passados cinco meses do novo governo, era para a nova gestão da EBC ter apresentado um novo projeto para a empresa. “O sentimento é de estarmos retrocedendo à Radiobrás”, disse, em referência à estatal que prestava serviço ao governo e que deu origem à EBC.

“O debate sobre o serviço público de radiodifusão no Brasil não está acontecendo”, alfinetou. “Está acontecendo debate sobre reestruturação de uma comunicação de governo”, completou César Ramos.

Na aula, o professor, que também integrou o Conselho Curador, ainda defendeu que o locus da EBC não é na Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), mas na Cultura, já que essa vinculação institucional à presidência atrapalharia a independência do serviço público que a EBC deveria prestar.

Entraves

Por sua vez, o presidente da EBC, Hélio Doyle, reconheceu que falta, no Brasil, uma tradição de comunicação pública e que a destruição do modelo criado em 2008 atrapalhou a consolidação do sistema. No entanto, ele culpou o modelo institucional da EBC, a exigência de concursos públicos e outras obrigações jurídicas e legais, que dificultariam contratações de profissionais no mercado para produzir e apresentar os programas da empresa pública.

Destacamos aqui que os funcionários foram pilares da sobrevivência da EBC nestes seis anos de desmonte e ameaças de privatização. Também não foi dito na aula, mas essa visão desconsidera a possibilidade de realizar pitchings para produções independentes, como a EBC fazia antigamente, além de aproveitar conteúdo da rede e de fazer programas na casa, como ocorreu inclusive na gestão Bolsonaro.

Doyle justificou a demora em apresentar um projeto para a EBC pela decisão de separar a parte pública da governamental. Essa medida, no entanto, explicou o professor Murilo, não está na lei. É uma decisão da gestão atual da EBC/Secom.

O presidente ressaltou que hoje há carência de pessoal na empresa e baixo orçamento. Mesmo assim, informou que as equipes serão divididas para a criação de uma agência de notícias e um canal de TV governamental. “A expectativa é que, em julho, a área ‘gov’ comece a funcionar”, anunciou. A TV Brasil e a Agência Brasil são veículos, em tese, públicos, que perderam estrutura na última remodelagem feita pela empresa, no início de maio, segundo denúncia dos sindicatos de jornalistas no Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.

A conclusão do professor Murilo é que a intenção deste governo, enquanto decisão política, é dar prioridade à comunicação de governo, preterindo a comunicação pública para a qual a EBC foi criada. “A nova EBC incorporou a comunicação de governo, até porque, a prioridade da Secom é essa”, afirmou. O professor da UnB esclareceu que a Lei da EBC não criou duas empresas em uma, mas autorizou a EBC a prestar serviço ao Poder Executivo, consciente da importância do recurso proveniente da prestação de serviços ao governo para o funcionamento da empresa.

Sobre o financiamento, o professor Murilo acrescentou, por fim, que a criação da Contribuição de Fomento à Radiodifusão Pública (CFRP) foi muito importante para a sustentabilidade da EBC. Porém, para ele, desde quando o Conselho foi cassado e a empresa deixou de fazer comunicação pública, o dinheiro da CFRP não deveria mais ser usado pela EBC. “E, se eu souber que o governo está usando os recursos da CFRP eu vou chiar”, avisou. “Vou mobilizar quem eu puder porque a CFRP é para financiar a comunicação de serviço público não é para bancar comunicação de governo. O governo tem seus meios para fazer isso”, completou. Hélio Doyle concordou.

Sobre o Conselho Curador, Doyle informou que a decisão da recriação do órgão cabe à Secom. Ele disse que há dúvidas do governo em relação ao modelo, pois a avaliação é a de que representantes da sociedade interferiram na gestão. O que não é verdade. Ainda assim, Doyle disse que contar com o conselho na elaboração da nova programação “faz falta”. De acordo com ele, no momento são estudadas soluções como a recriação da instância por decreto ou por norma interna. As medidas passam por análises de viabilidade jurídica.

A sociedade civil, por meio desta Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública e Ouvidoria Cidadã da EBC continua cobrando a imediata retomada da participação social na empresa, conforme prometido reiteradas vezes antes da posse do novo governo.

 

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