Discurso da deputada Mônica Francisco na abertura da Audiência Pública Rádio MEC e Nacional na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) – 25 de março de 2022

 

Um provérbio moçambicano diz que, quando morre um velho na aldeia, perde-se uma biblioteca. A tradição oral presente em África e em boa parte da América Latina é repassada pelos idosos, que contam casos, experiência dos antepassados e impedem o apagamento da História.

Nos tempos modernos, o rádio ocupa em parte este papel. Nos mais distantes rincões do Brasil e, eu diria, do Rio de Janeiro, há sempre alguém na cozinha, na sala ou no quintal, ouvindo uma música meio esquecida, um depoimento, notícia, um ensinamento do comunicador.

Certos radialistas podem ser comparados ao que os estudiosos de cultura popular chamam de “griô”, aquele que, por meio da experiência de vida, acumulou vasto conhecimento e tem prazer em repassá-los aos jovens. Assim é o griô Rubem Confete, 85 anos, radialista, jornalista, compositor e pesquisador de samba. Começo este pronunciamento saudando Rubem Confete, empregado da Rádio Nacional do Rio de Janeiro há 40 anos e que foi demitido covardemente sem o pagamento de nenhum direito trabalhista pela EBC. A empresa usou subterfúgio da legislação (alterada imoralmente pela Reforma da Previdência) para descartar o que tem de mais precioso: seus empregados. Repudiamos a demissão de todas as pessoas com mais de 75 anos e colocamos à Comissão de Trabalho da Alerj à disposição. Se querem demitir, que paguem todos os direitos.

Temos acompanhado assustados o avanço da dilapidação do patrimônio e dos veículos da comunicação pública da EBC, no Rio de Janeiro. Em especial, as rádios MEC e Nacional.

Temos muito para ouvir sobre essas emissoras, com certeza, e várias perguntas para serem respondias: Por que não migrar a MEC AM para a FM? Já foi feito pedido à Anatel? Qual o plano da EBC para cobrir a ausência das emissoras no interior do estado?

Estamos atentas ao patrimônio público de valor histórico e cultural que está em risco. Sabemos que quase foram vendidos ou perdidos pela empresa a sede e os estúdios na Lapa, o acervo, o prédio da Rádio MEC, na Praça da República, e da Rádio Nacional, na Praça Mauá. Queremos que a EBC recomponha este patrimônio, seus quadros e volte a ser referência, posto que nunca deixou de ocupar pela grandiosidade de seu legado. A Nacional e a MEC são a própria história das rádios públicas no Brasil e estão intrinsecamente ligadas à histórica da música de concerto, como os nossos queridos músicos da Orquestra Sinfônica Nacional nos lembraram aqui hoje.

A comunicação pública tem uma história. Após intensos debates entre a sociedade civil e setores governamentais, a EBC foi criada em 2007 para dar materialidade ao artigo da Constituição que trata sobre a complementariedade dos sistemas de comunicação. Surgia a EBC enquanto pressuposto de uma democracia capaz de promover direitos humanos, a educação e a cultura.

A expectativa era a de que a EBC se consolidasse com um contraponto à mídia comercial brasileira, fundada pela elite branca escravocrata e até hoje gerida por descendentes dessa elite para atender aos seus interesses. Também era esperado que os canais geridos pela estatal, na televisão, no rádio ou na internet, estabelecessem parcerias capazes de fortalecer a mídia de caráter comunitário e educativo historicamente alijadas do financiamento público.

De lá pra cá, acompanhamos a redução da representatividade na programação, a militarização no comando e a censura a conteúdos. Entre eles, as investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, a agenda política das mulheres negras, a luta quilombola aqui no estado do Rio de Janeiro e o debate fundamental sobre o genocídio da juventude negra. Não admitimos que o racismo institucional presente nas redações das mídias comerciais também encontre abrigo na mídia pública. Aproveito para relembrar que também repudiamos a transmissão da novela da TV Record “Os Dez Mandamentos”, de caráter religioso, além de racista, pela TV Brasil.

Mas a comunicação pública só faz sentido se os seus veículos estiverem no ar. Não podemos abrir mão de nenhuma frequência. É isso que vamos discutir aqui hoje. A manutenção da Rádio MEC AM e da Rádio Nacional no ar, cobramos a manutenção delas na faixa AM, com potência adequada, até que seja feita a migração plena para a faixa FM. E também queremos frequências no interior do estado do Rio de Janeiro para que nenhum ouvinte fique para trás.

Hoje a EBC, com sites de notícias, a TV Brasil, as Rádio MEC AM e FM, além da Rádio Nacional empregam cerca de 400 profissionais no Rio de Janeiro. Não podemos abrir mão de nenhum desses empregos, pensando o Rio de Janeiro como referência na área cultural e audiovisual e do mais desesperador cenário de desemprego que vivemos. EBC, respeite suas empregadas e empregados!

Uma população com acesso à informação ampla e a produtos culturais diversos, à educação, é mais consciente de seus direitos. A EBC não é do governo, é do povo!

 

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