Mais uma vez a transmissão esportiva da EBC teve o presidente Jair Bolsonaro no centro das atenções. Na verdade, dessa vez não se tratou de um jogo oficial entre seleções nacionais de futebol, como na ocasião em que o locutor da TV Brasil mandou um abraço para o presidente, num ato de proselitismo e promoção pessoal de Bolsonaro.

No dia 28 de dezembro de 2020, o presidente participou da abertura do jogo beneficente Natal Sem Fome, no Estádio da Vila Belmiro, em Santos (SP). O que merecia, no máximo, uma nota no noticiário da TV pública, o que de fato ocorreu (https://tvbrasil.ebc.com.br/brasil-em-dia/2020/12/natal-sem-fome-arrecada-donativos-para-baixada-santista), teve um destaque, no mínimo, inusitado na programação da TV Brasil.

A transmissão ao vivo começou às 17h05 e durou 28 minutos e 15 segundo. Nos primeiros 15 minutos, as imagens mostravam apenas a movimentação de pessoas em torno do presidente, tirando fotos com muita aglomeração e quase nenhuma máscara, no momento em que os casos e óbitos por Covid-19 no Brasil voltam a subir. Enquanto isso, o apresentador falava repetidamente que Bolsonaro daria o pontapé inicial da partida, que era um jogo beneficente, por isso não teria a duração de uma partida oficial, que se tratava de uma iniciativa organizada pelo técnico Narciso desde 2005.

Quando finalmente o presidente se posicionou para iniciar a partida, a transmissão ficou quase dois minutos em silêncio, mostrando as imagens de Bolsonaro ao lado da bola. Depois de algumas tentativas de gol, Bolsonaro finalmente chuta a bola entre as traves em uma jogada que pareceu contar com o apoio do goleiro adversário, caindo em seguida. O gol presidencial teve direito a dois replays, incluindo a queda patética. A transmissão encerra logo após Bolsonaro ser substituído, minutos depois de marcar o gol.

Ao longo do jogo, o apresentador do jornal, que não é um locutor esportivo, comenta rapidamente os lances e destaca todo o tempo que se trata de uma partida beneficente e conta com jogadores e ex-jogadores profissionais de futebol. E que a partida será curta, “não vai durar muito mais do que nós acompanhamos até aqui”, parecendo justificar a interrupção da transmissão que poderia acontecer a qualquer momento – assim que Bolsonaro deixasse o campo.

Não sabemos como terminou o jogo, mas notamos que a comunicação pública foi jogada mais uma vez na promoção pessoal do presidente, em uma transmissão digna do Almirante General Aladeen, do filme O Ditador (2012) de Sacha Baron Cohen. Na comédia satírica, o país fictício Wadhiya, no norte da África, e governado pelo ditador que faz de tudo para impedir que a democracia chegue no país. Ele também joga no campeonato nacional, vencendo todas as partidas.

Não é a primeira vez que transmissões descabidas como essa, até mesmo para a comunicação governamental, derrubam a programação da TV Brasil. No dia 10 de dezembro uma transmissão ao vivo, que começou às 11h50 e durou 50 minutos, tinha como pauta a liberação de 27 quilômetros de um trecho duplicado da BR-116 no Rio Grande do Sul, com a participação do presidente Bolsonaro.

O programa destaca as obras em rodovias e investimentos em infraestrutura feitas pelo governo federal e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em todo o Brasil. Um papel de assessoria de imprensa, mostrando apenas o lado do governo, sem nenhuma contextualização ou contraponto, inclusive em temas delicados como privatização de espaços como aeroportos.

A partir dos 24 minutos, o programa colocou no ar, ao vivo, a cerimônia com a participação do presidente Bolsonaro. Após um brevíssimo discurso, como é da feita do capitão do país, a transmissão continua focada no presidente, mostrando a movimentação em torno dele, com muitas fotos e poucas máscaras. Ele descerra a placa e se dirige à rodovia, a partir dos 35 minutos de transmissão, onde permanece no ar durante mais de10 minutos acenando para os motoristas que passavam no trecho liberado. Depois o presidente entra em um carro da Polícia Rodoviária Federal e sai dirigindo e acenando, em desrespeito às leis de trânsito. A apresentadora repete várias vezes as informações sobre as obras na rodovia e a transmissão é encerrada em seguida.

Tanto o futebol beneficente quanto a liberação de 27km da duplicação de uma rodovia foram transmitidos dentro do Governo Agora. Tal programa não consta na grade de programação da TV Brasil, nem a descrição dele aparece na lista dos programas disponível no site da emissora. Uma pista sobre do que se trata está na matéria publicada na Agência Brasil em abril de 2019, sobre a grade da “nova TV Brasil”:

“Uma das novidades serão os flashes ao vivo da Presidência da República e dos ministérios ao longo da programação, apresentando atos e ações do governo federal”.

Tais intervenções inoportunas na grade da TV pública, além de não se tratarem de “flashes”, caracterizados no jornalismo como textos ou transmissões curtas, com informações de momento, ultrapassam o limite dos “assuntos do governo” que “são de interesse público”, conforme descrito pelo gerente executivo da TV Brasil e Rede, Vancarlos Alves, na ocasião do lançamento da nova grade. E com certeza passam muito longe da descrição que consta no site da TV emissora:

“A TV Brasil veio atender à antiga aspiração da sociedade brasileira por uma televisão pública nacional, independente e democrática. Sua finalidade é complementar e ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania”.

Pautas irrelevantes, que mereciam, quando muito, uma nota de registro, ganham espaço de destaque apenas pela presença do presidente, com os apresentadores claramente se esforçando para segurar uma transmissão de quase meia hora sem assunto para estar no ar. Com isso, a TV Brasil abre espaço para uma comédia satírica em vida real.

O reflexo veio em forma de queda na audiência, como noticiado pela colunista do jornal O Globo Patrícia Kogut, no dia 15 de janeiro:

Tal ênfase em eventos com o presidente da república se repete na Agência Brasil, onde Bolsonaro ganha a manchete do portal participando de eventos irrelevantes para o interesse público.

Manchete da Agência Brasil no dia 12/12/2020

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