O último relatório bimestral publicado pela Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (a oficial, e não essa Ouvidoria Cidadã), referente a março e abril de 2021 (https://www.ebc.com.br/sites/_institucional/files/atoms/files/04_-_relatorio_da_ouvidoria_mar-abr_2021_-_publi.pdf), traz um alerta vermelho para toda a sociedade: o órgão foi CENSURADO pelo Conselho de Administração (Consad).

Na seção do relatório destinada à análise dos conteúdos, há um aviso de que “as Análises do Ombudsman, enviadas aos gestores e ao Consad, serão publicadas apenas no Relatório Anual da Ouvidoria, conforme Deliberação Consad/EBC 12/2021”. O relatório traz também a reprodução da deliberação citada, que não encontramos disponível na página do Consad (https://www.ebc.com.br/governanca-corporativa/conselho-de-administracao-consad).

Ao lado da Diretoria Executiva, o Consad integra a administração da EBC. Ele tem natureza colegiada e a função de deliberação estratégica, sendo composto por nove membros: um representante eleito pelos empregados da EBC, o presidente da empresa, dois membros independentes indicados pelo “ministério supervisor” e cinco indicados por outros ministérios.

Os dois membros independentes que participaram desta deliberação são da Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov), já que, até junho do ano passado, a EBC estava vinculada à Segov. A empresa passou a integrar o Ministério das Comunicações (MCom), criado em junho, e, portanto, novos membros independentes devem ser indicados por esse ministério. A Lei das Estatais determina que eles sejam independentes da empresa, e não do governo.

O Consad tem como missão “zelar pela continuidade dos serviços, observados os índices de confiabilidade, qualidade, eficiência; pela transparência, eficácia e legalidade da gestão; pela proteção e valorização do patrimônio da EBC tomando por base os valores e a função social da Empresa”, conforme consta no Regimento Interno do órgão (https://www.ebc.com.br/sites/_institucional/files/atoms/files/regimento_interno_do_consad_-_21-06-2018_0.pdf). Essa missão, no entanto, está sendo desvirtuada.

Esta Ouvidoria Cidadã entende que a função social da EBC é fazer comunicação pública! Inclusive nosso mecanismo cidadão de acompanhamento dos veículos e conteúdos da empresa pela sociedade civil foi criado diante do desmonte da participação social feito na EBC. Na lei de criação da empresa, nº 11.652/2008 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11652.htm), o artigo 20 especifica a função da ouvidoria:

“Art. 20. A EBC contará com 1 (uma) Ouvidoria, dirigida por 1 (um) Ouvidor, a quem compete exercer a crítica interna da programação por ela produzida ou veiculada, com respeito à observância dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública, bem como examinar e opinar sobre as queixas e reclamações de telespectadores e rádio-ouvintes referentes à programação”.

Ou seja, é função da Ouvidoria da EBC fazer a análise crítica dos conteúdos veiculados e também opinar sobre as manifestações do público. Apesar de verificarmos que a Ouvidoria da EBC atualmente não cumpre essa função de modo satisfatório, baseada nos princípios da comunicação pública, alguma análise estava sendo feita.

No primeiro relatório bimestral deste ano (https://www.ebc.com.br/sites/_institucional/files/atoms/files/02_-_relatorio_da_ouvidoria_jan-fev_2021.pdf), a seção Análise do Ombudsman trouxe, por exemplo, a repetição de queixas de telespectadores quanto à falta de sinal da TV Brasil; problemas de funcionamento no aplicativo TV Brasil Play; reclamações sobre mudanças na grade da programação e redução do tamanho do Sem Censura; variação do volume do áudio entre as músicas e o locutor nas rádios; e a irritação que respostas padrões dos setores demandados gera.

O Relatório também destacou a estreia da Rádio Nacional no Spotify, a extensa cobertura do Enem e a programação de carnaval em meio à pandemia nas emissoras. Coincidindo com uma análise feita aqui (https://ouvidoriacidadaebc.org/mundo-paralelo/), a Ouvidoria da EBC apontou a falta de cobertura do colapso na saúde em Manaus no dia 14 de janeiro. Foi publicado no relatório uma reclamação de leitor e a resposta enviada pela Agência Brasil. Sem análise pelo Ombudsman, mas o fato foi relatado.

A Lei 13.460/2017, citada na Deliberação do Consad, que “dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13460.htm), especifica no artigo 13 que as ouvidorias dos órgãos públicos devem:

“I – promover a participação do usuário na administração pública, em cooperação com outras entidades de defesa do usuário;

II – acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir a sua efetividade;

III – propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;

IV – auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta Lei;

V – propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos do usuário, em observância às determinações desta Lei;

VI – receber, analisar e encaminhar às autoridades competentes as manifestações, acompanhando o tratamento e a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante órgão ou entidade a que se vincula; e

VII – promover a adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos competentes”.

A função de análise também está presente na Norma 104 da EBC (https://www.ebc.com.br/sites/_institucional/files/atoms/files/nor_104_-_norma_de_ouvidoria_-_versao_31_-_direx_125_de_27.12.18.pdf), que trata da Ouvidoria, na descrição das competências do órgão: “XI – exercer a crítica interna da programação produzida ou veiculada pela Empresa, com respeito à observância dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública”.

Quanto à divulgação dessas análises, o empilhamento de normas e leis são abrangentes. A lei de criação da EBC fala de “boletim interno diário com críticas à programação do dia anterior, a ser encaminhado à Diretoria Executiva”; programação semanal de no mínimo 15 minutos para “divulgação pública de análises sobre a programação da EBC – o que foi feito em poucos momentos ao longo da história da empresa; e “relatórios bimestrais sobre a atuação da EBC, a serem encaminhados aos membros do Comitê Editorial e de Programação”, comitê esse que nunca foi instalado. Todas essas diretrizes também estão presentes na Norma 104.

Na lei das Ouvidorias, o artigo 14 fala de “elaborar, anualmente, relatório de gestão” com as análises e “apontar falhas e sugerir melhorias na prestação de serviços públicos”.

Já a Norma 104 explicita “elaborar, anualmente, relatório de gestão, que deverá consolidar as informações referentes às manifestações encaminhadas por usuários de serviços públicos, e, com base nelas, sugerir melhorias na prestação de serviços públicos”, numa cópia da lei 13.460/2017.

Ou seja, a censura imposta à Ouvidoria é questionável, à luz da legislação. A Deliberação 12/2021 do Consad leva em conta a parte que lhe convém em cada dispositivo citado e atua para esconder as críticas, por menores que sejam. Essa atuação é típica de regimes autoritários, incapazes que são de lidar com a menor crítica, e que trabalham para esconder os problemas, no lugar de corrigi-los.

A falta de divulgação das Análises do Ombudsman prejudica a já precária participação social que ainda resta à EBC. A sociedade, para quem a empresa deve transparência, deixa de contar com um importante mecanismo de controle social, o último que restava. Terá acesso apenas a relatos anuais que parecerão deslocados no tempo em relação aos fatos analisados e dispersos, sem a possibilidade de cobrar a correção de erros a tempo em uma época de overdose de informação diária, a chamada infodemia em que vivemos.

Se o objetivo das análises da Ouvidoria é apontar problemas no cumprimento dos preceitos de comunicação pública para que possam ser corrigidos, divulgá-las apenas uma vez por ano parece mais uma forma de empurrar as questões trazidas pelo público para debaixo do tapete do que uma intenção de resolver os problemas. O relatório bimestral como o último apresentado, trazendo apenas a atuação da Ouvidoria e estatísticas dos atendimentos, com recortes de manifestações do público, fica desinteressante para a sociedade. Parece ainda mais uma peça de comunicação institucional e não de participação social.

A Ouvidoria Cidadã da EBC terá, a partir de agora, um papel ainda mais destacado para que a comunicação pública resista! Continuaremos fazendo as análises críticas dos conteúdos veiculados pela EBC, registrando as falhas e destacando os méritos, para que, no futuro, o órgão paralelo não seja mais necessário, com a retomada da participação social de forma institucionalizada, como preconizado pelas boas práticas democráticas.

Contribua você também! Entre em contato com a Ouvidoria Cidadã da EBC pelo e-mail ouvidoriacidadaebc@gmail.com.

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