O Relatório Anual da Ouvidoria da EBC 2022 não traz a parte dedicada às análises do ombudsman, que deveria fazer a crítica da programação e conteúdos veiculados pelas rádios Nacional e MEC, TV Brasil, Agência Brasil e Radioagência Nacional, além das redes sociais desses veículos, à luz dos princípios da comunicação pública.

Conforme esta Ouvidoria Cidadã da EBC já vinha alertando, com a própria criação do órgão paralelo, tais análises já estavam escassas e sem considerar os objetivos da empresa previstos em lei, até que foram censuradas em março de 2021, passando a ser apresentadas ao público apenas nos relatórios anuais. Mas o relatório anual de 2022 trouxe mais uma surpresa da gestão bolsonarista da EBC: as análises simplesmente DESAPARECERAM!!

Já havíamos destacado que o ouvidor nomeado em setembro de 2022, um coronel do exército sem experiência na área de comunicação ou jornalismo, não tinha as qualificações necessárias para o cargo. Mas não era de se esperar que o relatório simplesmente ignorasse as análises do ombudsman. A regra está prevista na lei de criação da empresa (11.652), artigo 20:

“A EBC contará com 1 (uma) Ouvidoria, dirigida por 1 (um) Ouvidor, a quem compete exercer a crítica interna da programação por ela produzida ou veiculada, com respeito à observância dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública, bem como examinar e opinar sobre as queixas e reclamações de telespectadores e rádio-ouvintes referentes à programação”.

Portanto, há fortes indícios de que o ouvidor-geral da EBC, Cristiano Mendonça, está descumprindo a lei.

O relatório destaca o programete de rádio “Momento da Ouvidoria” como uma forma de cumprir a determinação legal de manter “no mínimo 15 (quinze) minutos de programação semanal, a ser veiculada pela EBC no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro) horas, voltada à divulgação pública de análises sobre a programação da EBC”. Foram produzidas 52 edições no ano de 2022, repetidas à exaustão num total de 5.096 execuções nas rádios MEC (AM – FM) e Nacional (AM/FM/OC-Amazônia/OC-Alto Solimões/AM-RJ), “de forma a cumprir o dispositivo legal”, conforme destaca o documento.

Apesar de ser apresentado como “um espaço que dá voz ao público da EBC”, como diz a própria vinheta inicial do programete, os áudios apenas fazem propaganda de programas e ações da própria EBC. São exemplos de temas abordados no Momento da Ouvidoria a participação da Ouvidoria da EBC no Prêmio de Boas Práticas da Rede Nacional de Ouvidorias, a inauguração do glass studio da TV Brasil no Rio de Janeiro e o balanço das manifestações recebidas pela Ouvidoria, apenas os números, sem detalhar nenhum conteúdo. A voz do público passou bem longe.

No episódio “TV Estatal”, por exemplo, o programete tenta explicar que devem existir duas TVs separadas, uma pública e outra para comunicação de governo, mas o texto é muito superficial e não contextualiza nem a fusão ocorrida em 2019, que unificou as grades da TV Brasil com a TV NBR.

Autoelogios
O relatório é extremamente burocrático, trazendo dados estatísticos sobre os atendimentos feitos pelo órgão oficial. As demandas são agrupadas pela variação anual total, separadas por tipo – solicitação, reclamação, sugestão, elogio ou sugestão-tema -, por veículo, por tipo de manifestação dentro de cada veículo…

“O documento consolida as manifestações encaminhadas pelos usuários que se comunicaram com a EBC no ano, reunindo os números de atendimento e as demandas enviadas por esses cidadãos. Com base nos dados apresentados, a Ouvidoria apresenta análises de manifestações mais relevantes. Este relatório tem o objetivo de destacar a opinião do público acerca dos produtos ofertados, de forma a subsidiar a gestão pública e contribuir para a valorização da cidadania.”

Além de muito autoelogio à própria Ouvidoria da EBC, prática iniciada com Cristiane Samarco. Destaque para a “Performance da Ouvidoria”, primeira parte do relatório, que traz como manchete “EBC é a oitava mais elogiada em ranking da Administração Pública”.

“A Ouvidoria da EBC encerrou 2022 no 8° lugar em elogios do cidadão no ranking de 265 Ouvidorias da Administração Pública Federal, com 312 mensagens registradas pelo “Painel Resolveu?”. Prêmio burocrático para um trabalho burocrático.

Contribuições do público
Na parte do relatório que traz um recorte das manifestações enviadas pelos telespectadores, ouvintes e leitores da EBC, nada de exame ou opinião a respeito das contribuições, como determina a lei. Apenas um apanhado de registros sem data, com número de processo e respectiva resposta da área demanda. Como se a Ouvidoria da EBC fosse uma simples leva e traz de recados entre o público e a empresa.

Mas, apesar de não fazer nenhuma análise, o relatório traz alguns dados interessantes para entender o funcionamento da EBC e da comunicação pública no período.

Na TV, um recado importante: “Acendem sinal de alerta para a gestão mensagens referentes a interrupções no sinal de transmissões e a inconsistências (sic) na grade de programação. Na outra ponta, entre os quesitos mais elogiados, estão conteúdos de entretenimento veiculados na emissora, como o Brasil Visto de Cima e o No Mundo da Bola, além da cobertura especial dos 200 anos da Independência“.

Destaque para o sinal/sintonização, que respondeu por 40,82% do total de reclamações.

Grade também é uma preocupação para os ouvintes das rádios da EBC: “Entre as principais preocupações dos ouvintes em mensagens enviadas à Ouvidoria em 2022 estão a retirada de programas da grade da Nacional, como o Histórias do Frazão; modificações da grade de programação da MEC FM, da Nacional FM de Brasília e da Nacional AM de Brasília; além da queda de sinal e possível extinção da MEC AM. Nas mensagens positivas, destaca-se a abrangência do sinal da Nacional da Amazônia, comprovada pela imensa quantidade de solicitações de cartões QSL por parte de radioamadores de várias partes do mundo. Os programas Ponto de Encontro e o Eu de Cá, Você de Lá, foram também muito lembrados entre os ouvintes“.

O documento traz relato de contatos de ouvintes de países como Japão, Índia e Canadá, que elogiaram a qualidade do sinal recebido em ondas curtas. Mas, de novo, o Relatório não explica o que é cartão QSL, apenas diz que enviou cartões digitais a quem solicitou (83,68% das solicitações que chegaram para a Nacional da Amazônia), assim como não contextualiza quais foram as mudanças nas grades que geraram as reclamações.

Sobre a MEC FM, metade das reclamações foi sobre a interrupção da programação musical para a veiculação de uma entrevista do presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de 2022. O relatório também registrou que “os rumores sobre o possível fim” da MEC AM foram tema de solicitações de ouvintes. A resposta padrão enviada para os ouvintes foi:

“A Diretoria-Geral informa que tem atuado na ampliação e modernização da rede própria e nacional de comunicação pública, a qual, até 2023, contará com sinal de TV Digital e Rádio FM em todas as capitais do país. Com o lançamento da banda estendida, a EBC busca reposicionar as Rádios na frequência FM, dedicando grande atenção também ao posicionamento digital dos seus veículos. Nesse sentido, a EBC não pretende extinguir nenhuma de suas rádios; na verdade, busca otimizar o processo de difusão ao maior número de ouvintes”.

Sem explicar de onde viriam tais rumores nem falar sobre a lei que prevê o fim das transmissões em AM no país.

As reclamações direcionadas ao aplicativo TV Brasil Play indicam a necessidade de melhorias, como disponibilização de mais conteúdos, falta de áudio, travamentos no sistema e duplicidade de arquivos.

Sobre a Agência Brasil, “os internautas reclamam, na maioria, da quantidade de erros nas publicações e da falta de links com informações adicionais a respeito dos conteúdos veiculados. As mensagens positivas exaltam a qualidade (clareza e objetividade) das informações veiculadas“.

Além disso, a ouvidoria destacou que 32,5% das solicitações direcionadas à Agência Brasil trataram de pedidos de licenciamento para uso do material por profissionais de mídia, estudantes, professores e editoras, “que demonstram interesse em ter páginas de seus livros preenchidas pelas produções da Agência”.

Está aí a importância da comunicação pública, que mesmo combalida permaneceu sendo demandada pela sociedade.

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