Uma transmissão feita pelo Youtube da TV BrasilGov no último dia 7 de março deu o que falar, com a estreia do programa Papo de Respeito. Na véspera do 8 de março, o tema do debate foi bastante relevante: violência contra a mulher. As participantes também foram bastante pertinentes ao assunto: a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, a atriz e apresentadora Luana Xavier e a socióloga Janja Lula da Silva.

“Toda mulher precisa estar informada sobre os tipos de violência, quais são os seus direitos e como pode buscar ajuda e acolhimento. Hoje vou bater um papo sobre esse tema tão importante com a ministra das mulheres, Cida, e com a apresentadora Lua Xavier. Esperamos vocês!”, diz o convite publicado nas redes sociais de Janja.

A chave da confusão foi estampada no Twitter e repercutiu muito em veículos de imprensa: Primeira-dama apresenta programa na TV Brasil. Um dos primeiros a dar o alerta foi o jornalista Renato Souza (@reporterenato), que postou:

“A primeira-dama, Rosângela da Silva, estreou como apresentadora da TV Brasil, emissora pública, mentida (sic) pela EBC, que de acordo com a Constituição, deveria ser independente do governo. Em um desvirtuamento da empresa, Janja estreou falando sobre ações do presidente Lula.”

O portal Brasil 247 noticiou o feito: “Em estreia de programa de TV, Janja discute sobre violência contra a mulher”. E destacou: “O primeiro programa Papo de Respeito, conduzido pela primeira-dama, a socióloga Rosângela da Silva, Janja. Produzido pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação), na véspera do Dia Internacional da Mulher, o programa foi dedicado ao tema da violência.”

Como explicaremos a seguir, não foi bem isso que aconteceu. A primeira dama não estreou um programa na TV Brasil e essas duas postagens foram apagadas por conter erros de informação. Mas a confusão estava armada. Com direito a fotos de bastidores do programa publicadas na Agência Brasil.

Tudo decorre da famigerada Portaria 216, de 9 abril de 2019, quando o governo Bolsonaro unificou as duas TVs operadas pela EBC: a TV Brasil, que é pública, e a TV NBR, responsável pela comunicação de governo. Com a fusão, só confusão. As duas TVs tiveram as grades unificadas e passaram a se confundir, ficando TV Brasil e TV BrasilGov. Apenas algumas transmissões oficiais, como eventos com ministros, eram transmitidas apenas na TV BrasilGov. Inclusive denunciamos aqui as constantes interrupções na grade da TV pública para a transmissão ao vivo de eventos com o presidente Bolsonaro (https://ouvidoriacidadaebc.org/governo-agora-ou-bajulacao-presidencial/ e https://ouvidoriacidadaebc.org/interrupcoes-da-grade-da-tv-brasil-para-eventos-com-bolsonaro-somaram-78h37-este-ano/).

A demora em reverter essa medida, prometida desde a transição de governo incluída no relatório da Comunicação Social (https://ouvidoriacidadaebc.org/ebc-nao-se-importa-com-comunicacao/) também contribuiu para a confusão. No mesmo dia da transmissão, algumas pessoas tentaram reverter a questão pelo próprio Twitter, respondendo o @reporterenato. Um deles foi o próprio presidente da EBC, Hélio Doyle (@heliomdoyle), que publicou:

“Errado é o Twitter (sic) acima. Janja não estreou nem é apresentadora de programa algum na EBC. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, Janja e a apresentadora Luana Xavier fizeram uma transmissão ao vivo para plataformas digitais em estúdio da EBC, conforme contrato que temos com a Secom”.

Porém, @reporterenato publicou, ainda, as perguntas que fez à EBC sobre a transmissão, incluindo que tipo de contrato existe com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), órgão ao qual a EBC é vinculada e presta serviços de comunicação governamental, se Janja era convidada e se haverá outras transmissões na EBC conduzidas por ela. A resposta da EBC, também publicada por @reporterenato, não explica muito:

“A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) cumpre o contrato de prestação de serviços firmado com a Secretaria de Comunicação Social (Secom). O acordo inclui transmissões ao vivo, a partir de demanda definida pela Secom. Ressaltamos ainda que a primeira-dama não é apresentadora de nenhum programa da grade da TV Brasil”.

 

Vendo o vídeo, resta claro que quem de fato apresenta o “Papo de Respeito” é Janja e que a apresentadora Lua Xavier é convidada no programa.

Outra tentativa de esclarecer os fatos respondendo ao @reporterenato no Twitter foi de @marinarodri_, que se apresenta como bacharel em cinema e produtora:

“O tamanho do estrago que essa informação vai causar na população que não sabe a estrutura básica da EBC. Me dá até preguiça de me esforçar para criar conteúdo porque o esforço do outro lado em falar desinformação é muito maior”.

Ela traz no fio questões importantes, como dizer que são TVs diferentes, que ser produzido dentro da EBC não quer dizer que seja um conteúdo da EBC e muito menos que tenha sido transmitido em cadeia nacional. Mas também erra em algumas coisas, como nessa parte:

“A TV Brasil Gov SEQUER é exibida na televisão, é um canal online no YouTube, que inclusive cobriu a posse de todos os ministros do Lula.”

A TV BrasilGov é exibida em canal aberto sim, pela multiprogramação da TV Brasil na TV Digital. Mas a confusão é grande mesmo. Até quem defende não entende. Quando uma chamava TV Brasil e a outra TV NBR era mais fácil de explicar.

Estrago feito
Mesmo o programa Papo de Respeito, apresentado por Janja e veiculado no Instagram dela (https://www.instagram.com/janjalula/), com transmissão também pelo Youtube da TV BrasilGov, não tendo sido transmitido pela TV Brasil nem pelas redes sociais da emissora pública, o estrago na imagem da EBC foi feito e está sendo aproveitado por quem começou com o desrespeito da separação entre público e governamental que deveria existir na EBC. Foi notícia na grande imprensa:

– O Globo, 08/03/2023: Janja tem live transmitida pela TV Brasil e gera discussão sobre uso de emissora pública por Lula – Gravada na sede da EBC em Brasília, a live tratou da violência contra as mulheres (https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/03/janja-tem-live-transmitida-pela-tv-brasil-e-gera-discussao-sobre-uso-de-emissora-publica-por-lula.ghtml)

– Folha de S. Paulo, 12/03/2023: Defesa de Bolsonaro quer usar lives de Janja em processo no TSE – Argumento é que presença na TV Brasil, que consta de acusação contra ex-presidente, é corriqueira (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/03/defesa-de-bolsonaro-quer-usar-lives-de-janja-em-processo-no-tse.shtml)

– Estadão, 13/03/2023: Kim e vereador de SP pedem à Justiça remoção de live de Janja na TV Brasil – Parlamentares afirmam que o programa ‘Papo de Respeito’, transmitido no YouTube na véspera do Dia da Mulher, feriria o princípio da moralidade administrativa, previsto na Constituição (https://www.estadao.com.br/politica/kim-e-vereador-bolsonarista-de-sp-pedem-a-justica-remocao-de-live-de-janja-na-tv-brasil/)

– O Globo (coluna Lauro Jardim), 14/03/2023: União e EBC têm 72h para explicar live de Janja à Justiça (https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2023/03/uniao-e-ebc-tem-72h-para-explicar-live-de-janja-a-justica.ghtml)

Chamamos a atenção para uma entrevista com Hélio Doyle publicada no dia seguinte à transmissão pelo site especializado LatAm Journalism Rewiew, o braço latinoamericado do Knight Center da Universidade do Texas: ‘Pretendemos deixar muito claro o que é o jornalismo público e o que é a informação de governo’, diz Hélio Doyle, presidente da EBC.

Não é o que parece, como o episódio “Papo de Respeito” demonstra. E não cansamos de repetir: a EBC não é do governo, a EBC é da sociedade brasileira e deve ser devolvida a ela, com a separação urgente entre comunicação pública e comunicação de governo.

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