“Quem não gosta de uma boa DR? Aqui, política e vida real se misturam. Estão prontos para conhecerem a intimidade de quem movimenta o dia a dia dos brasileiros?”. Essa é a chamada para o novo programa da TV Brasil, Dando a Real com Leandro Demori. Ou DR com Demori.

É dessa forma que o jornalista Leandro Demori estreou na TV, na terça-feira 26 de setembro, após a projeção nacional a partir das reportagens investigativas da série Vaza Jato, do site The Intercept Brasil, no qual era editor chefe.

Autointitulado “um dos mais relevantes e contundentes jornalistas do mundo” (sim, a autoestima do homem branco cis hétero classe média brasileiro é um caso a ser estudado), em sua newsletter A Grande Guerra, que lançou após sair do Intercept em maio de 2022, Demori também trabalhou no jornal Zero Hora, na revista Piauí e é autor do livro Cosa Nostra no Brasil.

Voltando ao programa, DR, ou discutir a relação, em geral não é um momento agradável, pois envolve discutir com seu parceiro ou parceira os problemas no relacionamento. Em muitos casos, é o prenúncio da separação e pode gerar muito choro e ressentimento. Então, nos arriscamos a dizer que é difícil encontrar alguém que goste de DR. Fora isso, “conhecer a intimidade” lembra jornalismo de celebridade, não cabendo em uma linha editorial comprometida com a comunicação pública.

O primeiro anúncio sobre a nova atração foi feita pela diretora de Conteúdo e Programação da EBC, Antônia Pelegrino, no seu Instagram pessoal, no dia 12 de setembro. O que já se tornou prática, os anúncios são feitos nas redes pessoais, e não nas institucionais da EBC, o que fere a impessoalidade da administração pública. Seria correto o anúncio ser feito pela TV Brasil e a diretoria utilizar o prestígio que tem replicando o conteúdo.

Depois, foi publicada uma entrevista na Agência Brasil, no dia 15 de setembro, com o ótimo título “Demori estreia na TV Brasil e defende comunicação pública independente”. No texto, é relembrada a trajetória dele até o reconhecimento, para o bem e para o mal, da Vaza Jato, já que passou a sofrer ameaças e precisou andar com segurança pessoal. Segundo ele, a proposta do programa é ser uma “conversa aberta”, “informativa” e “não leviana”. Além disso, Demori “dá a real” do que espera da TV Brasil:

“A EBC tinha uma ideia, ainda espero que prospere, que é a de ser uma emissora independente, como é na Itália, na Inglaterra, na França. É conseguir, de fato, fazer uma emissora que não fique ao sabor do jogo político do momento. Por isso, quando rolou esse convite, eu aceitei na hora, apesar de saber que iria ouvir críticas de colegas, do público, que enxergam a TV pública erradamente como cabide de emprego, como gasto desnecessário. Isso é um pensamento completamente idiota. A TV pública não é isso”.

Assim também esperamos. A divulgação na própria TV Brasil ocorreu apenas no dia 22 de setembro, tanto no site da emissora quanto no Instagram.

A vinheta de abertura é muito pessoalista, assim como o nome do programa, aparecendo primeiro o nome Demori, depois o Dando a Real, além de imagens do jornalista. Fica a pergunta sobre a sustentabilidade a longo prazo do programa. Caso o contrato com Demori acabe, a atração não tem continuidade? Mesmo sendo boa?

No primeiro programa, o entrevistado foi o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Começam falando de futebol e sobre Pelé. Talvez como papo para descontrair, pois em seguida Demori faz perguntas mais “contundentes”, sobre o 8 de janeiro. A conversa rende bem, com detalhes sobre os bastidores do dia da tentativa de golpe.

Também foram tratados temas como a Lava Jato ser pai e mãe do bolsonarismo e o papel da imprensa na operação, quando Mendes afirma que “a nação não precisa de salvadores”. Demori puxa a brasa para a própria sardinha, discutindo as revelações feitas pela série Vaza Jato, mas Mendes responde à altura, com embasamento jurídico sem juridiquês sobre os problemas do processo iniciado em 2014 por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol e que levou à prisão de Lula por mais de 500 dias. Também é tratado o superencarceramento e a descriminalização das drogas para uso pessoal. A última pergunta volta a um tema mais ameno, sobre a aposentadoria do ministro.

Apesar do pessoalismo apontado e algum problema de mal entendimento do nome e da chamada, o programa tem um bom ritmo e a entrevista é bem conduzida, ficando “leve” apesar da seriedade dos temas tratados. A duração de 30 minutos não permite muito aprofundamento, mas também não deixa a atração cansativa. Ao fim do programa, não ficamos conhecendo a intimidade de Gilmar Mendes. Ainda bem, porque isso não vem ao caso na comunicação pública.

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