“Eu nunca poderia admitir a mistificação de que a educação é um negócio neutro. Acho o contrário, que a educação é sempre uma tarefa política. Não há, portanto, dimensão política para a educação, mas é um ato político em si. O educador é um político e um artista; o que não pode ser é um técnico frio” (Paulo Freire, em entrevista ao jornal espanhol El País em 1978, disponível aqui).

O buscador Google homenageou o centenário de Paulo Freire

 

Declarações como essa do educador e filósofo Paulo Freire, patrono da educação brasileira, soam revolucionárias. E são. Tanto que ele foi perseguido em vida durante a ditadura militar e agora, mais de 20 anos depois de sua morte, tem seu legado difamado por pessoas que não alcançaram sua obra, como o presidente Jair Bolsonaro, que chegou a qualificar o educador pernambucano de “energúmeno”.

Paulo Freire, ao contrário, foi o brasileiro mais homenageado da história, com pelo menos 40 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades da Europa e das Américas. Na Finlândia há até um centro de estudos com o nome de Paulo Freire, assim como na África do Sul, na Áustria, na Alemanha, na Holanda, em Portugal, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Canadá.

Freire é sempre lembrado como referência teórica por suas ideias emancipadoras. Entre elas, está a visão de que a sala de aula é mecanismo de transformação social, de que a educação é instrumento para conscientização e a formação de senso crítico.

No entanto, a importância do patrono da educação brasileira não foi debatida pelos veículos da EBC. O jornalismo da empresa ignorou o centenário do educador, uma das efemérides mais importantes do ano. Apenas dois programas de rádio citaram Freire em programas da grade.

A data foi celebrada pelos mais diversos veículos do país. Todos os grandes jornais (Folha, O Globo e Estadão) produziram vasto material. O G1 resumiu o legado do pernambucano, e trouxe, inclusive, um bloco de notícias agregadas na página principal do portal no dia; Terra; IG; El País e Brasil de Fato.

Nas redes sociais, o centenário foi lembrado por diversas pessoas comuns, personalidades e instituições, como a UFRJ.

 

Comunicação pública

Será que Paulo Freire não é assunto para a comunicação pública? Aquela que tem por objetivo justamente fomentar o pensamento crítico? Claro que é! Tanto que a TV Cultura de São Paulo lançou um documentário inédito sobre o educador, produzido pelo departamento de jornalismo da emissora.

No caso da comunicação pública britânica, a BBC também lembrou o centenário do educador. Na reportagem, aprendemos que Freire foi professor de Harvard e Cambridge, teve mais de 40 títulos de doutor Honoris Causa, foi exilado durante a ditadura militar, período em que escreveu seu livro mais conhecido, A Pedagogia do Oprimido, voltou ao Brasil em 1980 e está sendo atacado pelo atual governo do país, depois de ser nomeado, em 2012, como patrono da educação brasileira e que é o terceiro autor de humanidades mais citado do planeta.

As rádios universitárias vinculadas à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também fizeram programação especial, veiculando série sobre o contexto histórico no qual Freire estava inserido, sobre a Pedagogia do Oprimido e sobre Paulo Freire hoje. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio da revista Poli, também celebrou o mestre, assim como a TVE da Bahia, com exibição de filmes e ações nas redes sociais.

 

Na EBC

Para não dizer que o jornalismo da EBC ignorou completamente o assunto, a Agência Brasil publicou uma tabela de efemérides, citando o centenário de Freire. O texto diz apenas que em 19 de setembro é lembrado o “nascimento do educador e filósofo pernambucano Paulo Freire (100 anos)”. Sem nenhum detalhe a mais.

Pelo menos as rádios da EBC não deixaram a data passar em branco. A Ouvidoria Cidadã encontrou duas publicações sobre o aniversário do intelectual nas Rádio MEC e Nacional, mas não se trata de material elaborado especialmente para a data. São entrevistas relacionadas ao tema.

A Rádio MEC entrevistou, na quarta-feira (15), o diretor da série documental Paulo Freire, um Homem do Mundo, Cristiano Burlan, no podcast Educação em Revista do programa Rádio Sociedade. A obra de Burlan está disponível on demand no Sesc TV. O material só foi disponibilizado no site da Rádio MEC no sábado (18), e ficou em destaque no portal durante o fim de semana. Na segunda-feira (20) foi feita uma postagem no Instagram na Rádio.

 

Na quinta-feira (16), o programa Tarde Nacional, da Rádio Nacional, entrevistou o historiador Jason Mafra sobre as comemorações do centenário. Na conversa foram tratadas com ele, que é membro do Conselho Internacional do Instituto Paulo Freire, alguns dos eventos marcados em todo o mundo para a celebração, além de aspectos da vida e obra de Freire.

Com a entrevista, aprendemos que os ensinamentos de Paulo Freire começaram na década de 1950 com a crítica à “educação bancária”, na qual o professor deposita o conhecimento no estudante, em uma gritante desconexão do processo de ensino com a realidade social dos alunos. “Num mundo marcado pelo conservadorismo e negacionismo, Paulo Freire é uma luz”, disse Mafra.

Ele lembrou também que A Pedagogia do Oprimido foi escrita entre 1967 e 1968, durante o exílio no Chile, e publicada pela primeira vez em 1970, no Uruguai. No Brasil, o livro foi publicado apenas em 1974 e ele teve traduções em mais de 50 idiomas, com mais de 2 milhões de exemplares vendidos.

Com a pouca visibilidade para uma data tão importante, resta claro que a EBC deixou de produzir conteúdo qualificado. A Ouvidoria Cidadã avalia que essa omissão é reflexo do autoritarismo imposto pelo governo Bolsonaro aos atuais dirigentes da EBC e cada vez mais presente dentro da empresa, na contramão do que diz a lei de criação dela (11.652/2008).

Obs: Deixamos o espaço aberto, caso a empresa queira se manifestar.

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