Depois de simplesmente suprimir as análises de conteúdo dos Relatórios da Ouvidoria, mesmo do Anual, que não havia sido censurado, o órgão da EBC assumiu a “chapa-branca” da função que vem desempenhando e nomeou o documento de 2023 de Relatório Anual de Gestão. Ou seja, mesmo com a retomada da EBC como um todo em termos de produção de conteúdos mais qualificados e condizentes com a comunicação pública, como vimos relatando nas análises desta Ouvidoria Cidadã, a Ouvidoria Geral da empresa continua sem exercer sua função prevista na lei de criação da EBC.

Na descrição da página que reúne os relatórios da Ouvidoria consta:

“A Ouvidoria produz relatório bimestral e anual com análises de conteúdos produzidos pelos veículos de comunicação da EBC – TV Brasil, Agência Brasil, Portal EBC e Sistema de Rádios. A publicação serve de subsídio para o Conselho de Administração (Consad) e as decisões estratégicas da empresa.” (destaque nosso)

Descrição condizente com o artigo 20 da lei de criação da empresa (11.652/2008), apesar de desatualizado, já que o Portal EBC não produz mais conteúdo de comunicação pública, passando, desde 2020, a ser o site institucional da empresa. Porém, na apresentação do Relatório 2023, a descrição do documento é outra:

“O documento consolida as manifestações encaminhadas pelos usuários que se comunicaram com a EBC ao longo do ano, reunindo os números de atendimento e as demandas enviadas por esses cidadãos. Com base nos dados colhidos, a Ouvidoria apresenta análises de manifestações recorrentes”.(destaque nosso)

E prossegue na mesma linha:

“Com essa percepção quantitativa e qualitativa do conjunto de manifestações cadastradas e, principalmente, tratadas pela Ouvidoria, este Relatório tem o objetivo de divulgar a opinião dos usuários dos serviços públicos acerca dos produtos ofertados pela EBC, de forma a subsidiar a gestão e contribuir para a valorização da cidadania”. (destaque nosso)

O primeiro conteúdo do relatório destaca o prêmio recebido pela própria Ouvidoria, pelo programete Momento da Ouvidoria. Já falamos dele aqui. Também destaca a reformulação da ouvidoria inclusiva, um bom projeto para atender ao público surdo, em parceria com a equipe de libras da EBC. Porém, não traz dados sobre o número de atendimentos e resolução de demandas nessa modalidade.

Ainda dentro da prestação de contas dos trabalhos da própria Ouvidoria, o relatório fala das ações desenvolvidas como coordenadora do Grupo de Comunicação da Rede Nacional de Ouvidorias e apoiadora do Congresso Brasileiro de Ouvidores; da entrega dos dados sistematizados dos atendi­mentos para a alta gestão da EBC subsidi­ar tomadas de decisão; e do 14º lugar no ranking de elogios da CGU.

Na parte das estatísticas, a ouvidoria recebeu 4.967 demandas em 2023, uma queda de 7,7% no total, sendo 35,5% para a TV Brasil. Destacamos que um “ponto negativo é a redução em mais da metade na quantidade de elogios, de 136 para 65”. O relatório também aponta queixas recorrentes “referentes a falhas na transmissão do sinal da TV Brasil, dificuldades em sintonizar o canal e repetição de conteúdo”, bem como a retirada do ar dos filmes do Mazzaropi e do Cine Retrô.

Sobre a Agência Brasil, o relatório fala do aumento considerável tanto de elogios quanto de reclamações e destaca manifestações a respeito de uma matéria que utilizou linguagem neutra, que também comentamos, contabilizando 40 reclamações sobre o suposto desrespeito à linguagem culta da língua portuguesa. Por outro lado, foram 25 elogios pela linguagem inclusiva no uso do termo parlamentares “eleites”.

Na parte de demandas por veículos, o relatório traz reclamações sobre fim de atrações, mudança de horário sem aviso prévio, reprises não informadas, incorreções sobre informações históricas, problemas de acessibilidade e falta de cobertura dos programas esportivos. Os programas que receberam mais elogios foram Brasil Visto de Cima, o telejornal Repórter Brasil e o esportivo No Mundo da Bola.

Nas rádios, a Nacional da Amazônia lidera as manifestações, com pedidos de cartões QSL para confirmação de sintonia por parte de radioescutas de todo o mundo, de países como Polônia, Espanha, Peru, China, Índia, Portugal e Japão. Nas reclamações, a maioria é sobre a descontinuação do Musishow. A resposta enviada aos ouvintes fala de cumprimento de decisão judicial, mas não explica qual o problema. Os elogios vão para a programação da MEC FM.

Sobre o aplicativo TV Brasil Play, aparecem muitas solicitações por conteúdos que, segundo as respostas da Diretoria de Conteúdo e Programação, não foram licenciados pela EBC para disponibilização em streaming. Como a novela Maria Madalena, a série Os Três Mosqueteiros e filmes em geral.

Nas manifestações direcionadas à Radioagência Nacional, metade dos elogios foi para o podcast Histórias Raras, outra produção que também recebeu elogios aqui na Ouvidoria Cidadã.

Apesar de não trazer as análises críticas, o documento é útil por apontar problemas como falta de sinal das emissoras e a falta de respeito com o público ao se fazer mudanças nas grades. Mas é preciso “garimpar” no texto para encontrar informações de fato úteis. É bom para saber o que a Ouvidoria anda fazendo, mas não serve para saber se a EBC está cumprindo sua missão pública com os conteúdos veiculados.

Além disso, a forma de construção do texto, baseada em números e estatísticas, além de burocrático, traz “pérolas” do tipo “ponto positivo foi a queda de 3,1% nas reclamações, de 32 para 31”. No caso, de manifestações direcionadas à gestão da EBC. Um dado estatisticamente irrelevante, pela baixa amostra, é apontado como positivo.

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